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Primeiro vamos jantar, Hastings. E só voltaremos a abordar o assunto à hora do
café. Quando se trata de comida, o cérebro deve ser escravo do estômago. Poirot
manteve a palavra. Fomos a um pequeno restaurante em Soho, onde era amigo da
casa, e comemos uma omelete saborosíssima, filé de peixe, frango e um Baba au
Rhum que era uma das paixões de suas paixões”. (Treze à Mesa, um romance
policial de Agatha Christie, publicado pela primeira vez em 1933. O Trecho vem
da edição de 2005, lançado pela Nova Fronteira, pág. 127)
É
com este trecho de uma das célebres obras de Agatha Christie, que hoje eu início
a postagem para avisar que o Baba au Rhum será o astro em questão. Essa também é uma oportunidade para
refletirmos sobre como as viagens permitem que preparações culinárias distintas
percorram longos caminhos até se tornarem conhecidas, e virarem clássicos....
Essa é uma oportunidade para nós olharmos um pouco mais para o passado e
desvendar como essa famosa sobremesa surgiu, num contexto até romantizado, e
que nos permite viajar da Polônia para Nancy e Lorraine, na França, e depois pelo
reino de Nápoles, na Itália – sendo, o Baba au rhum, sempre um bom acompanhante
nas comilanças dessas cortes.
Para
iniciar essa viagem de descobertas, deve-se agradecer por isso a Stanisław I Leszczyński
(20 de outubro de 1677 – Lunéville, 23 de fevereiro de 1766), foi o Rei da
Polônia e Grão-Duque da Lituânia em dois períodos diferentes, primeiro de sua
eleição em 1704 até sua abdicação em 1709 e depois a partir de 1733 até abdicar
novamente em 1736. Depois disso ele tornou-se o Duque da Lorena em 1737,
reinando até sua morte.
Stanisław
tornou-se rei com menos de 30 anos, graças ao apoio de Carlos XII da Suécia.
Alguns anos mais tarde (era 1735) Pedro, o Grande, Czar de Todas as Rússias,
provou ser muito maior do que o rei sueco e seu aliado polaco. Juntamente com
Prússia e a Áustria, derrotou-os na guerra. Stanislaw, no entanto, não foi um
qualquer. Ele foi sogro de Luís XV de França, que havia se casado com sua filha
Mary. Por esta razão, depois de ser destronado pelos Russos, como consolo o rei
da França deu-lhe o ducado de Lorraine. Ele não estava muito feliz, mas se
adaptou.
Stanislaw I |
Durante
quase três décadas, Stanislas Leszczynski foi um verdadeiro
mestre-de-cerimónias da região de Lorraine. O genro, Luís XV de França, entregou-lhe
o Ducado da Lorena sem lhe conferir quaisquer poderes políticos, pois apenas o
queria manter ocupado e longe de interferir na sua corte.
Privado
do reino da Polônia, e sendo forçado a viver numa corte pequena, há quem diga
que Stanislaw estava entediado. Por ter muito tempo livre e se cercou de
filósofos e cientistas, e passou a estudar. Estudos esses que o levaram a
desenvolver um projeto de integração europeia: a primeira versão da UE, na
memória viva. Na teoria e no papel, o projeto foi magnífico, mas o antigo
monarca sabia que não tinha chance de implementá-lo pelo simples fato de estar
sem sua coroa – o que não lhe dava peso para tal negociação em grande escala. Isso
o deixou muito deprimido. A realidade histórica, no entanto, mostra que as
relações entre Stanislaw e Luís XV eram frias e formais e apesar de ser o sogro
do rei a sua chegada à Lorena foi recebida com desconfiança.
O
facto é que Stanislaw foi muito além do título de duque e reinou plenamente a
partir de 1737. Criou um conselho de finanças e comércio, uma biblioteca real,
uma academia de letras, diversas obras sociais – algumas pagas do seu próprio
bolso – e projetou a praça epónima, que na inauguração, em 1755, recebeu o nome
do seu genro. Já com a monarquia extinta, os lorenos que haviam retirado a
estátua de Luís XV substituíram-na pela atual, onde se pode ler na base a seguinte
inscrição: “A Stanislaw o benfeitor, a Lorena agradecida”.
Há
ainda quem justifique, que para combater a depressão que lhe abatia Stanislaw
precisava comer doces todos os dias. Mas, agradar a Stanislaw, no entanto, não
era fácil: em Lorraine os confeiteiros estavam constantemente quebrando a
cabeça para lhe preparar novidades. Mas eles não tinham muita imaginação, e
assim por dois ou três dias consecutivos o ex-rei era servido com “Kugelhupf”, uma
espécie de bolo feito de farinha, manteiga, açúcar, ovos – e alguns citam as
passas. À mistura foi adicionado fermento de padeiro, até a massa ficar macia e
esponjosa, como um brioche. O que era difícil para Stanislaw engolir. Não que
ele fosse ruim, mas, faltava personalidade para lhe despertar a vontade de
comer; além disso, geralmente lhe chegava seco, mas tão seco que amarrava o
paladar. Muitas vezes, Stanislaw nem sequer o provava. Então ele voltava para
os seus planos para um mundo mais justo, sem vencedores ou perdedores.
Em
suma, Stanislaw Leszczynski se sentia encarcerado e seria, portanto, compreensível
que às vezes, para não pensar sobre o passado, que o lhe deixava profundamente triste,
e no futuro, que o assustava, Stanislaw passasse a beber além da conta. Fiel a
seus ideais de igualdade, bebia de tudo: começando com os vinhos do Meuse e
Moselle, orgulhos de Lorraine. Porém, como aquela região era provida de longos
invernos, frios e com muita neve, muitas vezes, ele precisou de uma bebida mais
forte. Por conda disso, ele descobriu o rum, destilado derivado do açúcar de
cana, importado das Índias Ocidentais. Era bom, era difícil de conseguir, e por
isso era exatamente o que ele queria. E conseguiu realizar seu desejo.
No
século XVIII, ainda no exílio na França, o então duque de Lorena (Lorraine),
mudou-se para o Château de Lunéville, na região de Nancy. Um dia, Sstanislaw esbravejava
seu desejo de comer um bom bolo. Mas, cansado de comer Kugelhupf muito seco – que o lembrava do Babka de seu país natal (uma
espécie de brioche em forma de uma coroa muito popular na Europa Oriental) –, pediu
a seu chefe confeiteiro, Nicolas Stohrer, para consertá-lo. Este último
aspergiu o bolo em um xarope de vinho de Málaga, rum e perfumado com açafrão e o
serviu acrescentando creme de confeiteiro e passas – assim consta a versão da
história apresentada pela confeitaria de Stohrer, a mais antiga pâtisserie de
Paris em funcionamento até hoje – aberta desde 1730, na Rua Montorgueil, 51.
O
resultado da receita foi uma revelação para o duque, que, sendo um fã dos
"Contos das Mil e Uma Noite", que lia e reliza durante os anos de
exilio, batizou a sobremesa de "Ali Baba”! Obviamente, vão existir aqueles
que justifiquem que o nome Baba vem de babka ou bobka, um bolo típico do leste
europeu consumido no domingo de páscoa; a palavra significa “mulher idosa” ou
“vovó” nos idiomas eslavos.
Mais
tarde, a serviço do rei da França, e já com tendo sua confeitaria, a Pâtisserie
Stohrer, rue Montorgueil, 51, em Paris, ele melhorou a sobremesa, especialmente
embebendo-a na calda de rum e a popularizou como especialidade local e foi para
além das fronteiras Atualmente, a Pâtisserie Stohrer é classificada como
monumento histórico desde 23 de maio de 1984.
Manuscrito árabe utilizado por Galland em sua tradução das Mil e uma noites (século XIV ou XV) |
Anos
mais tarde, o baba au rhum tornou-se uma sobremesa emblemática de Nápoles
justamente pela influência dos franceses. O baba au rhum chegou a Nápoles
graças a Maria Antonieta, rainha da França e irmã mais velha de Marie-Caroline,
casada com o rei de Nápoles, Fernando IV. Marie Caroline, impressionada com o
esplendor da corte de Versalhes, proporcionou com a ajuda da irã o intercâmbio
de alguns cozinheiros franceses a Nápoles para satisfazer seu palácio. O
chefes-professores franceses se adaptaram às tradições napolitanas e trouxeram
suas receitas, incluindo o baba au rhum que logo se tornou popular em
Nápoles. Tem a forma de um cogumelo e
seu diâmetro pode variar de 5 a 7 cm até 35 a 40 cm quando em forma de bolo.
Sua característica principal é a massa que é embebida com licor, geralmente limoncello,
ou apenas no xarope de rum. Pode ser
servido um doce pequeno só ou em conjunto, formando uma torta. E pode ser
apreciado sozinho ou com sorvete de baunilha. Na região da Campânia, cuja
capital é Nápoles, o baba tem apelação de origem que lhe confere proteção de
‘produto agroalimentar tradicional’.
Embora
o baba au rhum tenha muito popular no século XIX e na primeira metade do século
XX, é atualmente uma sobremesa em declínio mas que figura entre os clássicos da
confeitaria e que, na Europa, pode ser encontrado facilmente nas confeitarias ou nas gondolas de lojinhas sendo vendidos no tamanho mini, em potinhos de compota - uma ótima ideia por sinal.
Não é difícil de ser preparada e encanta os paladares. Por isso, prepare e me conte se prefere com mais ou menos rum.
Não é difícil de ser preparada e encanta os paladares. Por isso, prepare e me conte se prefere com mais ou menos rum.
Baba au rhum
15 g
de fermento biológico seco
45 ml
de leite (pode usar água ao invés de leite que também funciona)
225 g
de farinha de trigo
100 g
de manteiga derretida fria
3 ovos
1 xícara
de açúcar de confeiteiro
1
pitada de sal
Para a calda de rum
2
xícaras de água
1
xícara de açúcar
½
xícara de rum ouro (o mais amarelinho)
Preparo: Em um
boll, prepare a esponja: junte o fermento, o leite (ou água), e junte 2
colheres de farinha de trigo que deve ser retirada dos 225g que pede a receita.
Misture tudo muito bem e deixe descansar por 10 minutos. Enquanto a esponja
fermenta, faça a massa batendo: os ovos inteiros com o açúcar de confeiteiro e
a pitada de sal – bata tudo muito bem como o fuet até que a mistura fique mais
esbranquiçada e dobre de volume. Depois adicione a esponja de fermento, que já
deve ter descansado os dez minutos, e a manteiga já derretida e que já esfriou,
e misture bem até homogeneizar. Depois da massa homogênea acrescente o restante
da farinha aos poucos. Misture bem até fazer uma massa lisa e bata com o fuet
por 10 minutos. Em seguida cubra com filme plástico ou com um pano de prato de
deixe descansar por uma hora. Passado uma hora, derrame a mistura numa forma de
buraco no centro, untada com manteiga, e deixe descansar por mais meia hora
antes de levar ao forno pré-aquecido à 180 graus por 20-30 minutinhos – até
dourar. Nos últimos minutinhos do Baba no forno já faça a calda: junte o açúcar, com a água, dissolver ainda com o
fogo desligado e depois leve ao fogo médio até reduzir um pouco. Depois
desligar o fogo e acrescentar meia xicara de rum ouro – vai ficar uma calda
rala pra poder ser absorvida pelo bolo. Retire o bolo da forma ainda quente e
derrame a calda sobre ele para que fique completamente embebido – se preferir,
pode fazer isso com o bolo ainda dentro da forma e jogas a calda por cima para
absorver melhor, e só depois de gelado retirar. Espere alguns minutos para o
bolo absorver bem a calda e só depois decore com creme de chantilly e frutas –
confitadas ou frescas.
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