sábado, 21 de abril de 2018

Pequena história do Baba au Rhum



“– Primeiro vamos jantar, Hastings. E só voltaremos a abordar o assunto à hora do café. Quando se trata de comida, o cérebro deve ser escravo do estômago. Poirot manteve a palavra. Fomos a um pequeno restaurante em Soho, onde era amigo da casa, e comemos uma omelete saborosíssima, filé de peixe, frango e um Baba au Rhum que era uma das paixões de suas paixões”. (Treze à Mesa, um romance policial de Agatha Christie, publicado pela primeira vez em 1933. O Trecho vem da edição de 2005, lançado pela Nova Fronteira, pág. 127)


É com este trecho de uma das célebres obras de Agatha Christie, que hoje eu início a postagem para avisar que o Baba au Rhum será o astro em questão.  Essa também é uma oportunidade para refletirmos sobre como as viagens permitem que preparações culinárias distintas percorram longos caminhos até se tornarem conhecidas, e virarem clássicos.... Essa é uma oportunidade para nós olharmos um pouco mais para o passado e desvendar como essa famosa sobremesa surgiu, num contexto até romantizado, e que nos permite viajar da Polônia para Nancy e  Lorraine, na França, e depois pelo reino de Nápoles, na Itália – sendo, o Baba au rhum, sempre um bom acompanhante nas comilanças dessas cortes.



Para iniciar essa viagem de descobertas, deve-se agradecer por isso a Stanisław I Leszczyński (20 de outubro de 1677 – Lunéville, 23 de fevereiro de 1766), foi o Rei da Polônia e Grão-Duque da Lituânia em dois períodos diferentes, primeiro de sua eleição em 1704 até sua abdicação em 1709 e depois a partir de 1733 até abdicar novamente em 1736. Depois disso ele tornou-se o Duque da Lorena em 1737, reinando até sua morte.

Stanislaw I
Stanisław tornou-se rei com menos de 30 anos, graças ao apoio de Carlos XII da Suécia. Alguns anos mais tarde (era 1735) Pedro, o Grande, Czar de Todas as Rússias, provou ser muito maior do que o rei sueco e seu aliado polaco. Juntamente com Prússia e a Áustria, derrotou-os na guerra. Stanislaw, no entanto, não foi um qualquer. Ele foi sogro de Luís XV de França, que havia se casado com sua filha Mary. Por esta razão, depois de ser destronado pelos Russos, como consolo o rei da França deu-lhe o ducado de Lorraine. Ele não estava muito feliz, mas se adaptou.
Durante quase três décadas, Stanislas Leszczynski foi um verdadeiro mestre-de-cerimónias da região de Lorraine. O genro, Luís XV de França, entregou-lhe o Ducado da Lorena sem lhe conferir quaisquer poderes políticos, pois apenas o queria manter ocupado e longe de interferir na sua corte.


Privado do reino da Polônia, e sendo forçado a viver numa corte pequena, há quem diga que Stanislaw estava entediado. Por ter muito tempo livre e se cercou de filósofos e cientistas, e passou a estudar. Estudos esses que o levaram a desenvolver um projeto de integração europeia: a primeira versão da UE, na memória viva. Na teoria e no papel, o projeto foi magnífico, mas o antigo monarca sabia que não tinha chance de implementá-lo pelo simples fato de estar sem sua coroa – o que não lhe dava peso para tal negociação em grande escala. Isso o deixou muito deprimido. A realidade histórica, no entanto, mostra que as relações entre Stanislaw e Luís XV eram frias e formais e apesar de ser o sogro do rei a sua chegada à Lorena foi recebida com desconfiança.


O facto é que Stanislaw foi muito além do título de duque e reinou plenamente a partir de 1737. Criou um conselho de finanças e comércio, uma biblioteca real, uma academia de letras, diversas obras sociais – algumas pagas do seu próprio bolso – e projetou a praça epónima, que na inauguração, em 1755, recebeu o nome do seu genro. Já com a monarquia extinta, os lorenos que haviam retirado a estátua de Luís XV substituíram-na pela atual, onde se pode ler na base a seguinte inscrição: “A Stanislaw o benfeitor, a Lorena agradecida”.



Há ainda quem justifique, que para combater a depressão que lhe abatia Stanislaw precisava comer doces todos os dias. Mas, agradar a Stanislaw, no entanto, não era fácil: em Lorraine os confeiteiros estavam constantemente quebrando a cabeça para lhe preparar novidades. Mas eles não tinham muita imaginação, e assim por dois ou três dias consecutivos o ex-rei era servido com “Kugelhupf”, uma espécie de bolo feito de farinha, manteiga, açúcar, ovos – e alguns citam as passas. À mistura foi adicionado fermento de padeiro, até a massa ficar macia e esponjosa, como um brioche. O que era difícil para Stanislaw engolir. Não que ele fosse ruim, mas, faltava personalidade para lhe despertar a vontade de comer; além disso, geralmente lhe chegava seco, mas tão seco que amarrava o paladar. Muitas vezes, Stanislaw nem sequer o provava. Então ele voltava para os seus planos para um mundo mais justo, sem vencedores ou perdedores.
Em suma, Stanislaw Leszczynski se sentia encarcerado e seria, portanto, compreensível que às vezes, para não pensar sobre o passado, que o lhe deixava profundamente triste, e no futuro, que o assustava, Stanislaw passasse a beber além da conta. Fiel a seus ideais de igualdade, bebia de tudo: começando com os vinhos do Meuse e Moselle, orgulhos de Lorraine. Porém, como aquela região era provida de longos invernos, frios e com muita neve, muitas vezes, ele precisou de uma bebida mais forte. Por conda disso, ele descobriu o rum, destilado derivado do açúcar de cana, importado das Índias Ocidentais. Era bom, era difícil de conseguir, e por isso era exatamente o que ele queria. E conseguiu realizar seu desejo.



No século XVIII, ainda no exílio na França, o então duque de Lorena (Lorraine), mudou-se para o Château de Lunéville, na região de Nancy. Um dia, Sstanislaw esbravejava seu desejo de comer um bom bolo. Mas, cansado de comer Kugelhupf muito seco –  que o lembrava do Babka de seu país natal (uma espécie de brioche em forma de uma coroa muito popular na Europa Oriental) –, pediu a seu chefe confeiteiro, Nicolas Stohrer, para consertá-lo. Este último aspergiu o bolo em um xarope de vinho de Málaga, rum e perfumado com açafrão e o serviu acrescentando creme de confeiteiro e passas – assim consta a versão da história apresentada pela confeitaria de Stohrer, a mais antiga pâtisserie de Paris em funcionamento até hoje – aberta desde 1730, na Rua Montorgueil, 51.
O resultado da receita foi uma revelação para o duque, que, sendo um fã dos "Contos das Mil e Uma Noite", que lia e reliza durante os anos de exilio, batizou a sobremesa de "Ali Baba”! Obviamente, vão existir aqueles que justifiquem que o nome Baba vem de babka ou bobka, um bolo típico do leste europeu consumido no domingo de páscoa; a palavra significa “mulher idosa” ou “vovó” nos idiomas eslavos.

Manuscrito árabe utilizado por Galland em sua tradução das Mil e uma noites (século XIV ou XV)
Mais tarde, a serviço do rei da França, e já com tendo sua confeitaria, a Pâtisserie Stohrer, rue Montorgueil, 51, em Paris, ele melhorou a sobremesa, especialmente embebendo-a na calda de rum e a popularizou como especialidade local e foi para além das fronteiras Atualmente, a Pâtisserie Stohrer é classificada como monumento histórico desde 23 de maio de 1984.





Anos mais tarde, o baba au rhum tornou-se uma sobremesa emblemática de Nápoles justamente pela influência dos franceses. O baba au rhum chegou a Nápoles graças a Maria Antonieta, rainha da França e irmã mais velha de Marie-Caroline, casada com o rei de Nápoles, Fernando IV. Marie Caroline, impressionada com o esplendor da corte de Versalhes, proporcionou com a ajuda da irã o intercâmbio de alguns cozinheiros franceses a Nápoles para satisfazer seu palácio. O chefes-professores franceses se adaptaram às tradições napolitanas e trouxeram suas receitas, incluindo o baba au rhum que logo se tornou popular em Nápoles.  Tem a forma de um cogumelo e seu diâmetro pode variar de 5 a 7 cm até 35 a 40 cm quando em forma de bolo. Sua característica principal é a massa que é embebida com licor, geralmente limoncello, ou apenas no xarope de rum.  Pode ser servido um doce pequeno só ou em conjunto, formando uma torta. E pode ser apreciado sozinho ou com sorvete de baunilha. Na região da Campânia, cuja capital é Nápoles, o baba tem apelação de origem que lhe confere proteção de ‘produto agroalimentar tradicional’.
Embora o baba au rhum tenha muito popular no século XIX e na primeira metade do século XX, é atualmente uma sobremesa em declínio mas que figura entre os clássicos da confeitaria e que, na Europa, pode ser encontrado facilmente nas confeitarias ou nas gondolas de lojinhas sendo vendidos no tamanho mini, em potinhos de compota - uma ótima ideia por sinal.



   

Não é difícil de ser preparada e encanta os paladares. Por isso, prepare e me conte se prefere com mais ou menos rum.

Baba au rhum
Para o bolo
15 g de fermento biológico seco
45 ml de leite (pode usar água ao invés de leite que também funciona)
225 g de farinha de trigo
100 g de manteiga derretida fria
3 ovos
1 xícara de açúcar de confeiteiro
1 pitada de sal
Para a calda de rum
2 xícaras de água
1 xícara de açúcar
½ xícara de rum ouro (o mais amarelinho)
Preparo: Em um boll, prepare a esponja: junte o fermento, o leite (ou água), e junte 2 colheres de farinha de trigo que deve ser retirada dos 225g que pede a receita. Misture tudo muito bem e deixe descansar por 10 minutos. Enquanto a esponja fermenta, faça a massa batendo: os ovos inteiros com o açúcar de confeiteiro e a pitada de sal – bata tudo muito bem como o fuet até que a mistura fique mais esbranquiçada e dobre de volume. Depois adicione a esponja de fermento, que já deve ter descansado os dez minutos, e a manteiga já derretida e que já esfriou, e misture bem até homogeneizar. Depois da massa homogênea acrescente o restante da farinha aos poucos. Misture bem até fazer uma massa lisa e bata com o fuet por 10 minutos. Em seguida cubra com filme plástico ou com um pano de prato de deixe descansar por uma hora. Passado uma hora, derrame a mistura numa forma de buraco no centro, untada com manteiga, e deixe descansar por mais meia hora antes de levar ao forno pré-aquecido à 180 graus por 20-30 minutinhos – até dourar. Nos últimos minutinhos do Baba no forno já faça a calda: junte o açúcar, com a água, dissolver ainda com o fogo desligado e depois leve ao fogo médio até reduzir um pouco. Depois desligar o fogo e acrescentar meia xicara de rum ouro – vai ficar uma calda rala pra poder ser absorvida pelo bolo. Retire o bolo da forma ainda quente e derrame a calda sobre ele para que fique completamente embebido – se preferir, pode fazer isso com o bolo ainda dentro da forma e jogas a calda por cima para absorver melhor, e só depois de gelado retirar. Espere alguns minutos para o bolo absorver bem a calda e só depois decore com creme de chantilly e frutas – confitadas ou frescas.

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