domingo, 29 de dezembro de 2024

Karidopita, o bolo grego de nozes para as festas de fim de ano

 

As festas de fim de ano têm um significado de passagem bastante importante em muitas culturas, muitos deles deixam ir as velhas coisas que já ficam no passado para que as novas surjam. Em muitos lares, a comida se efste de festa também, e aparecem as melhores receitas do repertório pessoal, aquelas que já são tradição familiar; outras vezes, elas são acompanhadas pelos modismos do momento culinário em que a sociedade vive. Mas, em todos os casos, há sempre o desejo de agradar aos comensais na intenção de uma lauta refeição para celebrar um ano novo que seja próspero e abundante.

Nessa linha de pensamento, hoje trato uma receita grega, muito apreciada nas celebrações importantes, como são as festas de fim de ano. Trata-se do Karydopita (grego: Καρυδόπιτα), um bolo grego feito principalmente de nozes e coberto com uma calda doce aromática. Seu nome é uma palavra composta que deriva de "karýdia" (nozes, em grego) e "pita" (termo grego para roda de pão ázimo, bolo ou torta).


Esse bolo é um dos glyka tapsiou (pratos de sobremesa como tortas e pães assados em assadeiras) mais comuns da Grécia. Outras sobremesas gregas deste estilo são o galaktoboureko , amygdalopita e kadaifi , igualmente populares. 

O Karidopita pode não ser a primeira sobremesa que vem à sua mente quando você pensa em doces gregos. Baklava, loukoumades e galaktoboureko seguramente roubam os holofotes, deixando outras guloseimas para ficar silenciosamente nos bastidores.

No entanto, para aqueles que descobrem, esta delícia rica em nozes merece uma participação especial mais proeminente. O Karidopita tem sido um alimento básico apreciado nas famílias gregas há muito tempo.  Tão popular que há quem resolva transformá-lo em torta, com camadas crocantes e recheios criativos, o que seria um equivalente culinário a dar para uma música folclórica tradicional um remix moderno.


Esse bolo não é a sobremesa espalhafatosa das festas, nem tenta se exibir com cores chamativas ou coberturas extravagantes. Seu apelo está na sutileza. Nozes, finamente picadas ou moídas grosseiramente, emprestam seu aroma distinto e crocância suave. Especiarias — canela, cravo, talvez uma pitada de noz-moscada — trazem calor e profundidade, enquanto um xarope de açúcar ou mel banha tudo em uma doçura calmante que nunca é muito forte. Na boca você sentirá tudo isso e poderá ser seu próximo vício para uma tarde aleatória de qualquer dia.

A culinária grega se deleita com contrastes: saladas frescas ao lado de ensopados substanciosos; carnes grelhadas ao lado de molhos cremosos; queijo feta salgado equilibrado com mel doce. E não seria diferente com esse bolo, que segue o mesmo padrão, misturando sabores robustos com notas delicadas.


O bolo Karidopita tradicionalmente se acomoda confortavelmente entre doces encharcados de xarope como baklava, kataifi e galaktoboureko. Cada um deles tem uma personalidade: baklava é crocante e folhada; os fios de kataifi envolvem nozes em um abraço suave e, a camada de creme de galaktoboureko flerta com a massa filo. Karidopita, por sua vez, tem tudo a ver com nozes e especiarias, canalizadas por uma textura de bolo úmida que bebe xarope como uma esponja.

Baklava

Baklava

Kataifi

Galaktoboureko

                              Galaktoboureko

Grécia tem uma longa história de adaptação culinária. Séculos de comércio, intercâmbio cultural e variações regionais moldaram sua culinária, tornando-a de mente aberta e receptiva à inovação. Membros da diáspora grega em todo o mundo às vezes reinventam receitas antigas para novos cenários e ingredientes. E a receita da karidopita é tão prática que pode ser, perfeitamente, adaptada e render uma nova sobremesa.

Assim, não é de se surpreender que um padeiro caseiro ou um curioso chef de confeitaria possa cogitar: "Se podemos ter torta de maçã e torta de nozes, por que não ter torta de Karidopita?" Ao colocar a massa desse bolo de nozes em uma casca de torta, ele criaria uma nova delicia que atravessaria fronteiras. E se pudesse falar, essa nova “torta de karidopita” poderia dizer: "Sou grega, mas também sou versátil o suficiente para estar ao lado das melhores tortas em uma festinha internacional, e não me sentir deslocada".

As raízes do Karidopita serpenteiam pelas tradições culinárias gregas que priorizam o uso de nozes e mel locais. As nozes florescem em muitas partes da Grécia, e o mel tem sido um adoçante precioso daquela região desde a antiguidade. Os gregos antigos, embora não se banqueteassem com a Karidopita dos nossos dias, apreciavam muito das nozes e dos méis, usando-os nas preparações doces primitivas.

Ao longo dos séculos, à medida que o açúcar se tornou mais acessível e as técnicas de panificação e confeitaria evoluíram, bolos com infusão de especiarias e nozes surgiram. O Karidopita como a conhecemos provavelmente tomou forma em algum momento no final da era otomana quando especiarias, rotas comerciais e encontros culturais inspiraram perfis complexos de sobremesas.

Alguns argumentam que a presença de canela e do cravo, frequentemente associados ao Mediterrâneo Oriental mais amplo, aponta para camadas culturais. Talvez a ideia de um bolo de nozes e especiarias tenha se infiltrado por Constantinopla ou pelas Ilhas Jônicas, evoluindo para o que as avós gregas assavam em suas cozinhas.

No século XX, o Karidopita havia se tornado uma iguaria bem estabelecida, frequentemente servida em celebrações de dias de feriados religiosos e reuniões familiares.

Embora ninguém possua uma declaração assinada por Aristóteles ou Maria Callas declarando seu amor pelo bolo Karidopita, não é difícil imaginar que gregos ou helenófilos famosos possam ter apreciado algo parecido. Considere o falecido magnata grego da navegação, Aristóteles Onassis, que deu festas luxuosas em seu iate Christina O. Uma sobremesa de nozes não teria enfeitado sua mesa em algum momento? Imagine convidados experimentando doces após um banquete de frutos do mar frescos e saladas mediterrâneas, encontrando conforto na doçura terrosa de nozes e xarope. Ou, pense em Nikos Kazantzakis, tomando um café enquanto pondera sobre as complexidades da vida — ele não teria recebido uma guloseima como essa para aliviar ruminações existenciais?

Mais fundamentados na realidade, programas de culinária da televisão grega, escritores de culinária e chefs de confeitaria consistentemente elogiam o Karidopita como um favorito atemporal. Não precisa de endossos de celebridades de primeira linha. Famílias gregas comuns, especialmente aquelas com fortes tradições de panificação, apreciam-no como uma delícia caseira que sinaliza amor, cuidado e hospitalidade.

As características definidoras do Karidopita são suas nozes abundantes e o banho de xarope. As nozes emprestam uma nuance rica e levemente amarga que equilibra a doçura do açúcar. Especiarias dão calor e complexidade, fazendo com que cada mordida lembre uma noite aconchegante de inverno perto da lareira, mesmo se você estiver apreciando no meio do verão. O xarope, geralmente perfumado com casca de laranja ou limão, traz brilho e umidade. O bolo resultante, se bem feito, é úmido sem ser encharcado, doce, mas não enjoativo.



Esta sobremesa combina perfeitamente com o café grego — espesso, forte, servido em xícaras pequenas, geralmente apreciado lentamente enquanto conversamos. O amargor do café corta a doçura e destaca o aroma de nozes. A preparação ritualística do café grego e o gole tranquilo se alinham com a natureza reconfortante da sobremesa. Se café não é sua praia, considere um chá preto maltado ou até mesmo um chai temperado que ecoa a canela e o cravo.

O bolo Karidopita pode variar muito dependendo da sua inspiração e recursos. As receitas tradicionais de Karidopita podem diferir um pouco por região — algumas podem usar mais cravo da Índia, outras podem depender mais de canela. Em algumas áreas, as pessoas adicionam um toque de conhaque ou rum à massa. Levar essas peculiaridades regionais para o formato da torta pode render infinitas variações.

As transformações culinárias da modernidade nos permitem hoje criar ainda mais variações: desde pensar na possibilidade de fazer uma torta (seja com massa quebradiça, massa folhadas, ou, para não fugir daquela região, ganhar deliciosas uma crosta de massa phylo), cujo recheio será a massa do bolo original, finalizando uns crocantes de mais nozes, ou pistaches e um fiozinho de xarope — um tipo de híbrido de torta Karidopita que flerta com baklava.

Outra abordagem pode ser incorporar cacau em pó ou chocolate derretido na massa de nozes, introduzindo uma Torta Karidopita achocolatada que agrada aos chocólatras. Raspas de frutas cítricas — laranja ou limão — podem iluminar ainda mais o recheio. Ou, quem sabe, apelas incluir uma camada de geleia de damasco com o bolo cortado em camadas, para introduzir uma nota sutil de fruta, que lembra os bolos de nozes da Europa Central que às vezes apresentam geleias deliciosas.

Para aqueles que preferem uma abordagem menos açucarada, ajustar a proporção de xarope ou usar mel em vez de açúcar pode produzir uma doçura mais suave. A experimentação é fundamental.

Para algo mais indulgente, que tal incluir uma taça de vinho doce, como um Samos Muscat ou um vinho de sobremesa de colheita tardia, para realçar a dimensão xaroposa? As notas de mel do vinho de sobremesa harmonizam com a doçura das nozes, elevando a experiência a algo bastante decadente. Ou, quem sabe, adicionar um pequeno copo de Metaxa (conhaque grego), que também pode ser uma opção para acrescentar ao xarope, proporcionando um final quente e alcoólico que combina bem com os temperos ricos.

Nessa época de inverno no Norte, esse bolo ganha ainda mais destaque, pois ele é uma das comidas tradicionais nas mesas de fim de ano na Grécia. Assim, para os gregos que vivem no exterior, o Karidopita evoca memórias de reuniões familiares, férias de verão na cidade Natal, a cozinha da avó cheia do aroma de canela e nozes torradas. Prepará-lo pode ser uma forma de trazer a Grécia, e a família, para perto

E isso é importante demais para mim, especialmente vivendo em um mundo onde as sobremesas são frequentemente julgadas pela Instagramabilidade, o tom marrom terroso do bolo Karidopita pode não deslumbrar visualmente tanto quanto um bolo arco-íris ou um cupcake cheio de cobertura. Mas corte-o, revele suas texturas, talvez cubra sua fatia com mais algumas metades de nozes e uma colherada de creme levemente batido e, de repente, ele não será apenas delicioso, mas também discretamente elegante — como um segredo bem guardado da caixa de receitas do seu melhor amigo.

Pode-se achar irônico que uma sobremesa tão tradicional quanto o bolo Karidopita, que antes simbolizava o cozimento cuidadoso do velho mundo, agora apareça em formas diversas (como tortas, tartes ou até mesmo mini tortas artesanais) adequadas para uma exibição moderna de cafeteria. No entanto, essa é natureza da evolução culinária – que alguns não entendem. Pratos que antes eram fixos no tempo podem se adaptar, assumindo novos papéis como embaixadores culturais, híbridos de sobremesas e tornam-se os playgrounds de chefs para experimentação.

A ironia também pode estar no fato de que, embora a culinária grega seja celebrada por sua autenticidade e adesão à tradição, ela também prospera na adaptação. A diáspora grega espalhou receitas pelo mundo todo, e os viajantes que retornam trazem novas ideias de volta às costas gregas. Um bolo de nozes que antes existia dentro de uma estrutura cultural rígida agora se encontra em um palco global — transformado, reinventado, com ou sem excessos, mas vivo nas mesas.

E o que é melhor: para prepará-lo em casa, o karidopita não exige conhecimento ancestral profundo. Ele é acessível, desde que você respeite os sabores principais: nozes, especiarias e um toque de xarope. Ingredientes de qualidade fazem a diferença! Nozes de boa qualidade, especiarias frescas e potentes elevam a sobremesa de boa para extraordinária. Se possível, e quiser ser indulgente, compre mel grego para a calda — suas notas florais poderão conectá-lo mais intimamente à terra natal da sobremesa. Mas, se não puder, tá tudo bem! Ele por mais simples que seja, já é um espetáculo!

O processo de fabricação pode ser meditativo. Imagine: triturar nozes, misturar especiarias, ferver suavemente a calda com infusão da casca de frutas cítricas enquanto uma música grega toca ao fundo, graças aos recursos da internet  — essas etapas evocam uma experiência sensorial das cozinhas gregas. Assar um bolo Karidopita pode se tornar um ritual pessoal, seja você grego ou apenas atraído pelos encantos culinários da Grécia.

Depois, com o bolo pronto, convide amigos, sirva o bolo no final de uma refeição e observe como a conversa se torna mais calorosa, os sorrisos se tornam mais amplos e todos permanecem um pouco mais na mesa.

Sirva este bolo nesse período festivo, quando um toque de tempero e doçura parecem perfeitos. Leve para a sua confraternização para surpreender os amigos que esperam os brownies ou tortas de frutas de sempre. Ofereça junto com uma tábua de queijos, já que os gregos às vezes gostam de doces em conjunto com mordidas saborosas. A complexidade de nozes da torta de Karidopita pode até combinar com um queijo salgado como o feta, um contraste que pode levantar sobrancelhas, mas que, no final, delicia os paladares. Te garanto que a doçura suave e o calor aromático podem complementar muitas refeições em vários momentos do dia.

Por fim, já deu pra perceber a carga que o karidopita traz: ele representa uma tapeçaria de influências desde as sobremesas de mel gregas antigas, passando pelas trocas oriundas do encontros com especiarias introduzidas pelo comércio com o Oriente, o ganho em qualidade e rpeservação obtido pelos métodos de panificação refinados durante a era otomana e as técnicas de confeitaria europeias absorvidas ao longo dos séculos. Preparar esse bolo nos convida a mais uma influência cultural: reconhecer formas globais de ser felizes com sobremesas; de ter mais uma receita de bolo delicioso no repertório pessoal – e para aqueles que possam vir a reclamar que isso seria uma diluição da tradição, trata-se antes conhecer para permitir que ela respire e floresça.

Para viajantes que visitaram a Grécia e experimentaram seus doces, assar esse bolo em casa pode trazer de volta memórias do pôr do sol do Mediterrâneo, o som da música bouzouki saindo das tavernas e o calor da hospitalidade grega. Para aqueles que nunca foram à Grécia, esse bolo oferece um gostinho de um lugar onde ruínas antigas ficam ao lado de cafés modernos, e receitas antigas encontram nova vida em cozinhas contemporâneas para conquistar, justamente, o seu paladar.

Por outro lado, as nozes desempenham um papel importante na nutrição de todas as nações do leste europeu. Para os gregos, as nozes eram um daqueles alimentos considerados dignos dos deuses – para aqueles que não sabem, muitos dos alimentos gordurosos eram reconhecidos como divinos na antiguidade.

Os gregos antigos sabiam da enorme quantidade de energia e dos benefícios que as nozes trazem para a saúde das nozes. Desde os tempos antigos, elas são mencionadas em conexão com as habilidades intelectuais – e lembre-se, a noz em si tem o formato do cérebro humano! Quando você olha para ela, o miolo da noz lembra um cérebro pequeno. Como se a mãe natureza estivesse nos dando uma mensagem. As nozes melhoram as habilidades cognitivas e o desenvolvimento normal das funções corporais.

Quando aos benefícios para a saúde, um punhado de nozes é uma ótima escolha. Mas, em comparação com outras tipos de castanhas, as nozes contêm o dobro de antioxidantes. Existem vinte tipos de nozes. O tipo mais famoso é a noz persa Juglans regia, originária da Ásia e do Extremo Oriente. O segundo tipo mais comum de nozes é chamado Juglans nigra, nativa da América do Norte. Elas contêm antioxidantes, ácidos graxos de alta qualidade, ferro, cálcio, magnésio, fósforo, zinco, manganês, selênio, vitaminas B, E e K.

O consumo regular de nozes reduz significativamente o risco de doenças cardíacas. As nozes contêm grandes quantidades de ácido alfa-linolênico. Este é um tipo de ácido graxo ômega 3 que só é encontrado em plantas e desempenha um papel importante na manutenção da saúde cardíaca. O ácido alfa-linolênico protege contra a inflamação dos vasos sanguíneos. Ele reduz o risco de ataque cardíaco e normaliza a pressão arterial.


Mais isso tudo é só pra te dizer que celebrar um ano inteiro precisa de comida especial, e essa é uma delas. E você pode preparar em casa. Abaixo, deixo duas receitas de preparar o bolo karidopita, eu particularmente gosto de fazer a receita que leva farinha de rosca – o gosto parece que fica mais acentuado e é uma delícia. Mas, questão de gosto não se discute. Faça ai e me conte.

Karidopita Bolo de nozes grego

Massa

1 xícara de açúcar

2 xícaras de farinha de trigo com fermento

1 xícara de nozes trituradas grosseiramente (opção de adicionar mais 1/4 de pedaços de nozes grossas se você gosta de mais crocância)

6 ovos

1 colher de chá de açúcar de baunilha ou essência

1 colher de chá de canela

1/2 colher de chá de cravo moído

30 ml de conhaque

1 xícara de azeite de oliva

Xarope

1,5 xícara de açúcar

1,5 xícara de água

1 pau de canela

3 cravos

1/2 limão espremido

Preparo:  comece pelo xarope - misture todos os ingredientes, deixe ferver e retire do fogo após 5 minutos. Deixe esfriar completamente. Observe que a calda de açúcar deve estar completamente fria para ser usada no bolo quente. Depois, pré-aqueça o forno a 180 graus. Unte uma forma de bolo com um pouco de azeite de oliva. Numa tigela grande, misture os ovos, o óleo, o açúcar, as especiarias, o conhaque, as nozes e o açúcar de baunilha e, em seguida, adicione gradualmente a farinha. Misture por alguns minutos até misturar bem. Coloque a massa na forma e  asse por aproximadamente 25-30 minutos ou até dourar. Quando o bolo estiver pronto, faça alguns pequenos furos na superfície com um espeto e despeje a calda resfriada sobre o bolo quente aos poucos, permitindo que cada colherada seja absorvida antes de prosseguir com a próxima. É essencial que ela absorva bem. Quanto mais tempo ficar, melhor será o resultado, pois ele amolecerá ainda mais. Sirva com sorvete ou um café grego. 

Karydopita (com farinha de rosca)

massa:

3 ovos

150 ml de óleo vegetal ou azeite de oliva

100 ml de leite

250g de açúcar

4g de canela em pó

0,5g de noz-moscada moída (ou meia colher de chá)

1 cravo moído

150g de farinha de rosca

7g de fermento em pó

150g de nozes moídas

Raspas de meio limão

Xarope:

200g de açúcar

200 ml de água

2 paus de canela

3 gotas de essência de baunilha

50ml de conhaque ou brandy

Preparo: massa - Bata os ovos, o óleo, o leite, o açúcar e os temperos (canela, noz-moscada, cravo). Em uma tigela separada, misture a farinha de rosca, a maioria das nozes (reserve algumas para decorar), o fermento e as raspas de limão. Misture os ingredientes secos na massa e misture. Despeje em uma assadeira e leve ao forno por 40 minutos ou até que ao inserir uma faca, ela saia limpa.

Xarope – Enquanto o bolo assa, faça o xarope misture todos os ingredientes em uma panela e deixe ferver delicadamente, depois desligue o fogo. Retire o bolo do forno e deixe esfriar um pouco (mas não completamente), depois faça cortes em formato de losangos na parte de cima do bolo para ajudar a calda a penetrar. Reaqueça a calda e despeje por cima até que esteja completamente encharcada. Neste ponto você vai pensar que fez muito xarope, mas não fez. Deixe descansar por algumas horas, mas de preferência durante a noite. Decore a gosto. Combina bem com uma colher de iogurte grego e uma xícara de café grego como acompanhamento.

domingo, 22 de dezembro de 2024

É por isso que os franceses comem ostras no Natal! (isso não é só uma questão de gosto)

 

Eu recebo muitos comentários e questionamentos, tanto no blog quando na página do Facebook, muitos deles são desejando saber curiosidades; outros tantos são pedindo que trate de determinado prato ou prática alimentar. Mas, também aqueles leitores e leitoras que dividem comigo suas experiencias gastronômicas, especialmente quando fazem viagens ou são brasileiros vivendo em outros países. Esses dias, enquanto eu publicava as postagens sobre o Natal um questionamento surgiu de algumas leitoras, brasileiras que estão morando na França ou que já passaram alguns natais naquele país: os comentários giraram sobre a questão do impacto cultural observado a partir das mesas de natal na França, particularmente pelo fato de serem preparações frias servidas como o ápice da mesa natalina, cujas ostras ganham destaque central. 

Eu até relutei em não postar sobre isso este ano, mas, o algoritmo do TikTok deve ter “ficado de olho nas minhas conversas” e me mandou um vídeo de uma brasileira que mora na França a mais de seis anos, a Lívia Melina. No vídeo, ela comentava justamente sobre o impacto do Natal na França, a partir da mesa, e num parte do vídeo ela se depara com a prática dos franceses de comer ostras no Natal. Ela conta a sua experiência, desde quando via as gondolas de mercados montando lugares de destaque para as ostras – algo que para nós, no Brasil, teriam em exposição perus, pernis, tenders, chesters e outras carnes natalinas. Com isso, estava claro que eu não deveria fugir dessa postagem. Então, é sobre isso que irei apresentar hoje.

Pra começo de conversar, é preciso que se entenda que a ostra está presente nas refeições humanas desde o inicio dos tempos. Ou, pelo menos, “desde que o homem conhece o mar”, como justifica a jornalista científica Marie Lescroart no livro “60 clés pour comprendre les huîtres” (60 chaves para entender as ostras), publicado em 2017, que revela ainda que nossos ancestrais pré-históricos tiveram a sorte de viver no litoral, já aproveitavam as ostras pelo simples fato de eles só precisavam se abaixar para pegá-las – eram tempos diferentes.

Antigamente, a ostra era tão apreciada pelos gregos e romanos que eles já utilizavam parques de reprodução. A partir do século XVII, a demanda foi tanta que os bancos naturais diminuíram: a moderna criação de ostras nasceu no século XIX. As técnicas atuais variam dependendo da localização e da tradição, mas leva de dois a três anos para que a ostra esteja comercializável. Mais tarde, com o tempo, saberíamos que as ostras triploides  (que três conjuntos de cromossomos e são valiosas para a indústria de aquicultura comercial devido ao seu potencial de crescimento rápido, qualidade superior da carne (especialmente no verão), capacidade de colheita durante todo o ano e baixa pressão ambiental sobre as populações selvagens triploide), desenvolvida por pesquisadores seria uma opção para consumido o ano todo porque, por ser estéril e não se reproduz  sem as manipulações humanas .

A ostra é um molusco bivalve, que pertence à família Ostreidae e que se fixa em rochas ou permanece em fundos lamacentos. É consumida desde os tempos pré-históricos pelas populações costeiras. Durante o período antigo na bacia do Mediterrâneo, os gregos se deliciavam com elas. Depois deles, os romanos ficaram entusiasmados com esse molusco. Eles traziam do Mediterrâneo e do Atlântico e criaram parques de reprodução.

O consumo de diferentes moluscos pelo homem sendo muito antigo, remonta às sociedades de caçadores-coletores do Paleolítico, mas era algo especialmente específico daqueles que viviam no litoral. Esse consumo é explicado pelo fato de que a coleta de mariscos era fácil e permitia que a maior parte de uma comunidade fosse alimentada com pouco esforço. O sítio neolítico de Saint-Michel-en-l’Herm apresentou uma quantidade muito grande de conchas de ostras da espécie Ostrea edulis nas quais foi demonstrada a intervenção humana para alimentação. Na Gália (região que antigamente correspondia a atual França), antes da conquista romana, havia o consumo de muitos frutos do mar, especialmente mexilhões.

É a partir da época do Império romano que os vestígios de marisco encontrados vão mudar na escolha das espécies, mas também nos locais de consumo. Os romanos implementarão uma melhoria nos meios de transporte que permitirá o consumo de mariscos bem no interior, já que restos de conchas de ostras foram encontrados no território Arverni, em Autun, mas também na Suíça, bem como em Trier. E ao mesmo tempo os romanos iam transmitindo os seus gostos pelos mariscos, uma vez que observamos uma generalização do consumo de ostras e ao mesmo tempo uma rarefação do consumo de mexilhões, enquanto o consumo de vieiras parece manter-se estável.

Os gregos já comiam ostras há muito tempo e não parecem ter adquirido esse hábito alimentar dos egípcios ou das populações semitas, que consideravam os mariscos alimentos impuros (sem dúvida porque o clima aumenta os riscos de envenenamento). Parece que foi através do contato com os gregos que os romanos começaram a ter esse gosto por ostras (e outros animais com conchas), pois descobertas arqueológicas na Itália mostram uma ausência de conchas, exceto raras exceções, antes do século I a.C. O que se observa ao longo da história é que foram os membros da Elite romana que trouxe esse interesse de volta de suas viagens pela Grécia durante suas conquistas e seus estudos.

No entanto, esse uso não era necessariamente bem visto, seja porque esse consumo era visto como estrangeiro, seja porque era visto como um luxo que os costumes romanos tendiam a desaprovar, principalmente M. Aemilius Scaurus quando era cônsul em 115 aC., proibindo o consumo de ostras. Dito isto, é provável que a medida tenha sido pouco seguida porque sabemos que Caio Sergius Orata, inventor dos tanques de ostras, fez fortuna no comércio de ostras do Lago Lucrin nos anos seguintes a este ato, o que lhe valeu um julgamento. por poluição do domínio público, na qual foi defendido por L. Licínio Crasso (irmão mais velho do famoso triúnviro). Além disso, tudo indica que Crasso, Orata e Asclepíades (médico grego) teriam manobrado para criar uma hierarquia de bens como vinhos e mariscos, com o objetivo de criar a ideia de bens de luxo ou, ao contrário, de bens de primeiro preço.

                        Ilustração medieval de Sérgio Orata demonstrando cultivo de ostras

Caio Sergius Orata e os parques de ostras

Embora a coleta de diferentes tipos de moluscos existisse desde o início dos tempos, o mesmo não acontece com a criação de moluscos. De modo geral, as populações próximas às costas marítimas contentavam-se em coletar as conchas que encontravam. Dessa forma sabemos que todo tipo de marisco era consumido, até que os “depósitos” se esgotaram. Mesmo com o boom econômico do mundo romano, estas práticas pouco mudarão o que levará, devido à procura, a que a apanha de ostras ainda não tenha capacidade de reprodução e vemos nos vestígios encontrados que o tamanho dos moluscos diminuiu gradualmente entre os séculos I e Séculos V, até que nenhum consumo local pôde ser estabelecido, o que é um sinal de esgotamento de recursos ou de falta de interesse por essas colheitas. (razão econômica ou social).

Caio Sérgio Orata, um notável romano do início do século I a.C., é considerado o inventor da criação de ostras. Ele havia desenvolvido bacias nas margens do Lago Lucrin, na Baía de Nápoles, através das quais desviava o aluvião para alimentar as ostras e nas quais colocava restos de telhas ou mesmo varas entalhadas para facilitar a suspensão das ostras. Ele também mandou cavar um canal para permitir a entrada de água do mar e garantir um certo nível de salinidade. Não se sabe se as técnicas de Orata foram aplicadas na Gália, mas elas têm uma posteridade, já que Plínio, o Velho, as menciona quase dois séculos depois, o que supõe sua utilização, mas desde sua invenção as técnicas de cultivo de ostras mudaram muito pouco.

No entanto, isso não lhe causava problemas, pois o lago era de domínio público, as estacas ali plantadas podiam interferir nas linhas de pesca, o que prejudicava as atividades dos pescadores. Segundo Valério Máximo e Cícero, um pescador chamado Consídio exigiu um julgamento contra ele, no qual foi defendido por L. Licínio Crasso. O resultado do julgamento é desconhecido, mas uma frase do apelo de Crasso sobreviveu, provavelmente preservada para o humor do orador: "Meu amigo Consídio está errado ao pensar que, ao remover Orata do Lago Lucrino, ele o privará de ostras; porque se lhe for proibido levar alguns para lá, ele saberá como encontrar algumas nos telhados de suas casas.” Essa piada é uma referência aos restos de telhas usados na criação de ostras e às casas que Orata comprou por um preço baixo antes de instalar banhos quentes com hipocaustos e depois revendê-los com lucro (o que foi a fonte de (outros julgamentos).

Se o gosto pelas ostras já estava presente na aristocracia romana, como atesta a proibição do consumo de ostras pelo cônsul M. Aemilius Scaurus em 115 a.C., parece que ele tomou outro rumo com a intervenção de Orata, de L. Licínio Crasso e Asclepíades, o médico deste último. André Tchernia, em seu trabalho sobre vinhos romanos, apresenta Crasso e sua comitiva como tendo moldado os costumes e gostos da aristocracia romana para fornecer-lhes itens de luxo. Para isso, eles teriam criado uma hierarquia de bens, de modo que certos produtos seriam considerados dignos da aristocracia, enquanto outros permaneceriam como propriedade do povo e, ainda abaixo, dos escravos. Isso fica claro no caso do vinho, com a designação de Falerno como o rei dos vinhos, o que leva a um aumento de preço, tornando-o inacessível às camadas mais pobres da sociedade, tornando-se assim um produto para os ricos. O mesmo vale para as ostras, sendo as do Lago Lucrin consideradas as melhores (coincidentemente!).

Asclepíades, aproveitando seu status de médico renomado, recomenda ostras para digestão e o uso de banhos para higiene; o vinho é recomendado para preparar panaceias (quanto melhor o vinho, melhor o remédio). Que Asclepíades elogie ostras e banhos, que são o produto principal do melhor amigo de seu protetor, sem dúvida não é inocente!

Verdade ou não, a ostra se tornará um produto de luxo e um símbolo da cultura romana, o que permitirá que seu consumo se espalhe por todo o Império – incluindo na Gália.

Este gosto pelas ostras espalhou-se pela sociedade, a ponto de Cícero no século I a.C. considerar de mau gosto não servir ostras aos seus convidados, Plínio o Velho depois dele no século I menciona onze variedades de ostras, tanto Varro como Columela mencionam também o consumo de ostras e os parques onde elas eram cultivadas. Pelo menos dois atos legislativos dizem respeito às ostras: o Édito de Scaurus, já acima mencionado, e o Édito do Máximo do Imperador Diocleciano, na viragem dos séculos III e IV, que especifica que o preço de cem ostras é de cem denares, ou seja, um terço do salário anual de um legionário! Entretanto, não houve declínio observado no consumo durante o século IV.

Em Vindolanda, um forte localizado não muito longe da Muralha de Adriano, no norte da Inglaterra, um grande número de tábuas foi encontrado. Na tábua 299, seu autor, cujo nome nos é desconhecido, relata ao seu amigo Lúcio que um terceiro lhe enviou cerca de cinquenta ostras de outro lugar: Cordonouis. A localização desta cidade também é desconhecida para nós, já que esta é sua única menção no ablativo plural. O nome da cidade poderia, portanto, ter sido Cordonou(i)a, Cordonouae, Cordonoui. Acredita-se que esta cidade seja na verdade Colchester, uma grande cidade no sul da Inglaterra e produtora de ostras planas.

Ausônio, poeta galo-romano do final do século IV, não hesita em mencionar o seu gosto pelas ostras do Atlântico (fala do oceano de Medula, portanto do Médoc) numa carta ao seu amigo Paulo, fazendo mesmo uma referência inventário exaustivo dos locais de produção: Gasconha, Saintonge, Poitou, Armórica, Caledônia (Escócia), Marselha, Narbonne, Baiès (ou seja, Lago Lucrin de Orata), Propôntida (Mar de Mármara) e até Tarraco e Barcino (em outras palavras Tarragona e Barcelona). Em outra carta a Theon, ele zomba do fato de seu amigo ter lhe enviado apenas 30 ostras de presente.

A ostra parece ter feito um forte retorno desde o século XVII, particularmente em Paris.  Na Idade Média e no Renascimento, as ostras eram comidas “à l’escale” (com a casca). Produtos de consumo diário no litoral, eles representavam uma mercadoria de luxo para os ricos moradores das cidades. 

A corte lutou por eles e os monarcas ficaram loucos por eles. Henrique IV, em particular, amava-os a ponto de ficar doente. Quanto a Luís XIV, o Rei Sol, diz-se que ele os mandava trazer todos os dias de Cancale, a cavalo, e que conseguia devorar seis dúzias antes da refeição.

                                          Luis XV

O Rei Luís XV, conhecido como “o Amado”, também gostava particularmente dela. Tanto que em 1735 ele encomendou ao pintor Jean-François de Troy uma pintura representando uma degustação de ostras, “O Almoço de Ostras”, destinada a decorar a sala de jantar dos pequenos apartamentos do Castelo de Versalhes. esse fato em particular merece destaque em particular, o que farei a seguir.

ALMOÇO A BASE DE OSTRAS, de Jean-François de Troy, FOI A PRIMEIRA IMAGEM A RETRATAR O CHAMPANHE.

Jean-François de Troy um conhecido pintor francês a serviço do grande soberano da França, Luís XV, era filho da arte. Pois, seu pai era um famoso pintor de retratos e procurador da Real Academia de Pintura e Escultura, em 1671. Basicamente, dedicou-se a temas históricos, isto é, mitológicos, morais, religiosos, mas era ousado quando se definia como um pintor realista - por adorar retratar cenas da vida cotidiana.

Por volta da década de 1730, logo no reinado de Luís XV, um estilo ornamental chamado rococó começou a se estabelecer na França. Esse estilo, distingue-se pela grande elegância e pela suntuosidade das suas formas, caracterizadas por cachos e arabescos florais, expressos sobretudo na decoração, mobiliário e moda.

Um dia, o duque de Antin e o pintor rococó François Lemoyne organizaram o Grande Concurso de Arte, do qual Jean-François de Troy participou e ganhou o 1º prêmio com a tela "O repouso de Diana" (agora no Museu de Belas Artes de Nancy), era 1727.

                Jean-Fraçois de Troy, Le Repos de Diane, 1737 (óleo sobre tela)

Mais tarde, Jean-François de Troy se tornaria Diretor da Academia Francesa de Roma, onde passou o resto da vida. Mas há uma coisa muito importante que ele fez antes disso: foi contratado pelo próprio rei para criar uma pintura destinada a ocupar uma das salas do palácio de Versalhes.

O quadro em questão é "Almoço à base de ostras", um óleo sobre tela terminado em 1735, muito particular e inovador. Aqui estão algumas curiosidades dessa grande farra retratada que esconde a singularidade de muitos detalhes...

                                         Le Déjeuner d'huîtres, 1735

Nessa pintura aparece pela primeira vez uma garrafa de champanhe sendo retratada: trata-se de garrafas de Dom Perignon, que leva o nome do abade que a criou por acaso a partir da fermentação do vinho da abadia de Hautvilliers.



                                      

No evento, em um edifício magnificamente decorado em estilo rococó, um grupo de senhores comem alegremente um banquete caracterizado por um prato muito requintado: ostras.


As conchas jogadas no chão refletem o clima alegre e uma atmosfera de euforia etílica. Quatro comensais estão de cabeça voltada para o teto, para acompanhar a trajetória da rolha do champanhe que paira no ar.


Mas sobre esse grupo de cavalheiros devotados à bacanal, a estátua de Vênus reina suprema, observando a cena do nicho pintado acima da mesa. Um elemento casual? Certamente não.

As ostras despertaram os sentidos desses personagens graças ao seu poder afrodisíaco. Durante este período, as ostras e trufas estavam em voga, banindo quase completamente a caça das mesas nobres.

Até um conhecido poeta italiano, Giacomo Casanova, por volta da segunda metade de 1700, começa a mencioná-las em seus escritos, incentivando os leitores a sugá-las diretamente das conchas. Ele escreve em suas memórias:

".... por puro acaso, uma ostra que eu ia colocar na boca de Emilia escorregou da concha e caiu em seu peito. A menina fez o gesto de pegá-la com os dedos, mas eu o evitei, reivindicando o direito de desabotoar o corpete para recolhê-la com os lábios no fundo onde ela havia caído ... Leitor voluptuoso, então tente me dizer se não é o néctar dos deuses!"

Pois bem, um século dedicado ao hedonismo e ao prazer este 1700 que, como todos sabemos, terminará na França com uma conhecida revolução.

"Beijo de Ostra" de Casanova

                                        O sedutor veneziano Giacomo Casanova

No século XVIII, quando os nobres começaram a comer ostras acompanhadas de champanhe e as ostras eram famosas por suas propriedades afrodisíacas, Casanova inventou um jogo erótico que, segundo ele, enlouquecia suas conquistas, o "beijo da ostra". Consistia em passar a ostra de língua em língua, como ele conta em “História da Minha Vida” ao dar sua receita: “Para três pessoas. Pegue cem ostras. Faça duas partes iguais. Use a primeira metade como aperitivo e guarde o resto para a sobremesa. Depois de seis ostras cada, engolidas como aperitivos, faça o beijo da ostra.

Napoleão III, o Imperador das Ostras

A criação de ostras, tal como é praticada hoje em França, com a instalação de coletores destinados à recuperação de larvas de ostras, baseia-se numa técnica desenvolvida no século XIX sob Napoleão III (1808-1873).

No Segundo Império, as ostras foram tão bem-sucedidas que, em 1852, após um relatório alarmante do Ministério da Agricultura e Comércio sobre a queda na produção de bancos naturais de ostras, a administração marítima regulamentou o "arrastamento", que só é permitido de 1º de setembro a 30 de abril, do nascer ao pôr do sol. Além disso, Napoleão III instruiu Victor Coste, um naturalista e médico erudito da Imperatriz Eugénie, e Ferdinand de Bon, Comissário da Marinha, a comparar os métodos usados para capturar e criar ostras nas costas da França e da Itália. Com o objetivo de reconstituir os bancos de ostras planas dizimados pela sobreexploração, eles desenvolveram experimentos com bancos de ostras artificiais, principalmente em Arcachon, em 1859.

Doenças epizoóticas, consumo excessivo: a ostra esteve perto da extinção em diversas ocasiões. Foi justamente para fazer frente à escassez de ostras que os habitantes de Arcachon importaram a ostra portuguesa (Crassostrea Angulata) a partir de 1860. Dizimada na década de 1970, ela foi substituída pela japonesa Crassostrea gigas, que hoje representa 98% das ostras que consumimos.

Cara, era muito procurada pelas elites e foi vítima do seu próprio sucesso. No século XIX, os bancos naturais, superexplorados, esgotaram-se: por conta disso nasceu a moderna ostreicultura.

Desde a década de 1970, a reprodução tem sido representada principalmente pela ostra-do-pacífico, Crassostrea gigas. Originária do Japão, ela foi introduzida no mundo todo para repor estoques esgotados pela superexploração ou dizimados por doenças, como os da ostra plana europeia, Ostrea edulis, cuja população declinou a partir da década de 1920.

                                          Crassostrea gigas

Existem diversas técnicas de criação, que variam dependendo da localização, espécie e tradições. A elevagem é realizada na faixa litorânea (parte do litoral exposta pela maré), em lagoas ou em mar aberto. Isso pode ser feito levantando-as: as ostras são colocadas em bolsas dispostas sobre as mesas. As ostras também podem ser suspensas; Elas são fixadas em cordas suspensas em uma mesa ou em um sistema flutuante e ficam permanentemente submersas. A criação de espinhel ocorre em mar aberto, com gaiolas suspensas por cabos ou jangadas.

O refino envolve colocar as ostras em bacias de água menos salgada, mas ricas em plâncton, chamadas claires. É assim que a ostra ganha seu sabor e cor. Na finalização, as ostras são colocadas em água de qualidade impecável, lavadas e selecionadas. Dependendo da espécie e das condições de cultivo, leva em média de dois a três anos para obter uma ostra comercializável.

Comida crua, cozida, assada, preparada em ensopados ou molhos, o molusco tem sido tema de elaboradas preparações culinárias, como ostras com espinafre gratinado ao estilo Rockefeller.

Então, ostras, no Natal ou o ano todo?

A tradição determina que as ostras sejam consumidas apenas durante os meses terminados em “r”, e “re” do calendário francês, ou seja de setembro a abril. Esta regra remonta, na verdade, ao século XVIII, a um decreto real de 1759 de Luís XV que proibia a pesca, a venda ambulante e a venda de ostras entre 1 de abril e 31 de outubro, como relatam Stéphane Hénaut e Jeni Mitchell no livro “Histoire de France à pleines dents” (Flammarion, 2019).

As ostras eram tão populares nas mesas da aristocracia que, para fazer face a uma futura escassez, o rei teve a sabedoria de proibir a sua colheita de Maio a Agosto, durante os quatro meses restantes do ano do período de ostras, quando reproduzir.

Do ponto de vista nutricional, a ostra é muito interessante. Rica em proteínas, quase não tem gordura e oferece um bom suprimento de iodo por ser um produto do mar. Também é interessante por seu zinco (muito bom para o sistema imunológico), ferro, vitamina B12, cobre…

Quanto a comê-la o ano todo, mesmo que seja possível hoje em dia, ainda há uma sazonalidade neste molusco marinho. E a melhor estação para ostras é o inverno, e por isso os famosos meses francês com “r” no final deles. “Por que os chefs que dizem respeitar as estações dos produtos colocam ostras em seus cardápios o ano todo? » perguntou Catherine Flohic em 2015, em “The Oyster in Questions”. Para o autor deste livro abundante sobre os fabulosos mariscos, como para todos os ostreicultores tradicionais, é necessário “reaprender a esperar pelas ostras, para saboreá-las com ainda mais prazer”.

Comê -la fria ou quente?

Dependendo do seu gosto, você pode comer ostras de mil maneiras: frescas e cruas, com limão, em vinagre de chalota, azeite; ou quentes, cozidas no forno, gratinadas com chalotas e vinho branco, com parmesão, champanhe ou creme. com beurre blanc, com foie gras... 

     « Le Déjeuner d’huîtres » pintura encomendada por Luís XVI para a sala de jantar dos pequenos apartamentos do Palácio de Versalhes, de Jean-François de Troy, 1735. Musée Condé/Chantilly

Ao longo de todo esse contexto as ostras se tornaram um item essencial no Natal? Francês – que além delas, pode ter à mesa, vieiras, lagostins, lagostas... produtos do mar que ocupam um lugar especial nas mesas de Natal.

Embora essa tradição culinária seja parcialmente explicada pela sazonalidade, já vimos que razões históricas e culturais entraram em jogo. Percebemos que, mesmo com a disponibilidade de ostras ao longo de todo o ano, existem um período no qual elas podem ficar melhores, mas, é no inverno que seu sabor e textura são mais agradáveis, o que lhes dá um lugar de destaque nas mesas de Natal francesas – embora essa não seja a única razão de seu sucesso.

É preciso olhar para tradições antigas, como a refeição magra antes da missa de Natal ou mesmo hábitos do Oriente. Na Alsácia, a refeição de Natal tinha que incluir elementos: água, terra e céu. Por exemplo, o elemento água muitas vezes assumia a forma de carpas empalhadas. Então, com o tempo, o hábito de comer ostras, mesmo que fosse caro, se espalhou. Essa padronização dos estilos de vida e, portanto, da ceia de Natal, aconteceu por volta de 1950, depois da Segunda Guerra Mundial.

Outra explicação também está no custo da comida. Elas se tornaram principalmente pratos de Natal pelo preço: já que, muitas vezes, se compreende que para um produto ser um prato festivo, ele deve ser caro o suficiente para permanecer excepcional e, ao mesmo tempo, acessível. Ostras, mas também vieiras e lagostins são exemplos perfeitos dessa lógica. No entanto, nem todos os alimentos de luxo conseguiram se transformar em alimentos de Natal, mesmo aqueles na faixa de 'caros, mas acessíveis'. Para que um produto se torne uma iguaria de Natal, ele deve se enquadrar nessa categoria e estar disponível em quantidade suficiente para atender ao aumento da demanda em uma época específica do ano. Tradicionalmente acompanhadas de champanhe, as ostras fazem parte desse costume.

Depois disso, seguem algumas receitinhas com ostra, para o caso de você querer inclui-las no seu menu natalino. E, para os curiosos de plantão que adoram fontes, saibam mais buscando em:

        Apicius, 413.

        Columelle, de Agricultura L.VIII, 16, 5.

        Varron, de re Rustica L.III, 3, 10.

        Cicéron, de Finibus, L.II, 70.

        Cicéron, Hortensius, 67.

        Cicéron, de Officiis, III, 16.

        Valère Maxime, IX, 1, 1.

        Pline l’Ancien, HN, IX, 52-61

        Ausone, Lettres VII, IX, XXIII

        Roland Jussieau, L’élevage en France 10000 ans d’histoire, p.144

        André Tchernia, Le cercle de L. Licinius Crassus et la naissance de la hiérarchie des vins à Rome

        Cynthia Bannon, Gardens and Neighbors: Private Water Rights in Roman Italy, p.219

        Jean Doignon, L’enseignement de Hortensius de Cicéron sur les richesses devant la conscience d’Augustin jusqu’aux Confessions

        Capitaine Gaurichon, Contribution à l’étude de l’emploi des Huîtres dans l’Antiquité

        Françoise Brien-Poitevin, Consommation des coquillages marins en Provence à l’époque romaine

        Dr Marcel Baudoin, Démonstration de l’existence d’un Monument cultuel, du type des Tertres animaux en forme de Serpent et d’origine Nordique, aux Buttes coquillières des Chauds, commune de Saint-Michel-en-1’Herm (Vendée)

        Yves Gruet, Les coquillages marins: objets archéologiques à ne pas négliger. Quelques exemples d’exploitation et d’utilisation dans l’Ouest de la France 

Ostras de natal

Ostras  com Vinagre de Vinho Tinto Tramier e Chalotas – para servir frias

24 Ostras frescas

1 chalota picada finamente

4 colheres de sopa de Vinagre de Vinho Tinto Tramier (ele é sem Resíduos de Pesticidas, um luxo natalino. Mas você pode usar vinho tinto ao invés de vinagre )

1 colher de chá de açúcar

1 colher de sopa de Azeite (a Tramier também tem bom azeite sem pesticidas), opcional

1 pitada de pimenta do reino

1 folha de louro

Alguns raminhos de tomilho

Preparo:  comece pelas ostras. Abra as ostras cuidadosamente usando uma faca para ostras, tomando cuidado para não quebrar a casca. Coloque-as em um prato grande e fundo ou sobre uma camada de gelo para mantê-las bem gelados. Prepare a marinada: Em uma tigela pequena, misture o vinagre de vinho tinto (ou o vinho tinto, se preferir), a chalota picada, o açúcar, o louro, o tomilho e uma pitada de pimenta do reino moída na hora. Misture bem para dissolver o açúcar. Você também pode adicionar uma colher de sopa de azeite de oliva para suavizar a acidez do molho. Deixe a marinada em temperatura ambiente por cerca de 10 a 15 minutos, permitindo que os sabores se misturem e as chalotas absorvam o vinagre. Se você tiver um pouco mais de tempo, também pode prepará-la com algumas horas de antecedência e deixá-la descansar na geladeira. Na hora de servir vc tem duas opções retirar a folha de louro e os raminhos de tomilho; ou, retirar a folha de louro e picar finamente os tomilhos e deixa-lo no molho.

Opção de guarnição para ostras: Pouco antes de servir, coloque uma colher de chá da marinada em cada ostra, certificando-se de que a chalota (e o tomilho) esteja uniformemente distribuída. O restante da marinada pode ir numa molheira para a mesa.  Ou, simplesmente, colocar todo molho numa molheira no centro da bandeja que será servida e todas as ostras abertas em volta do recipiente com o molho, para que cada um coloque na sua ostra a quantidade do molho que desejar. Para decorar, você pode usar cebolinha ou salsa picadinha e para dar um toque extra de frescor, você também pode adicionar um pouco de raspas de limão. Coloque as ostras numa bandeja funda com cubos de gelo, ou gelo picado, por baixo, decore a gosto e servir. 

Ostras quentes au champanhe

De 24 a 36 ostras frescas

113g de manteiga

220g de creme de leite fresco (220ml)

220gm de champanhe (220ml)

6 gemas de ovo

Pimenta do reino a gosto

Ciboulette picadinha para decorar

Preparo:  Abra as ostras, tire-as das conchas e filtre a água, reserve. Numa panela, derreta a manteiga. Adicione o creme de leite fresco, metade do champanhe da receita e a água filtrada das ostras e junte as ostras. Cozinhe as ostras nessa mistura por cerca de 10 minutos. Escorra e deixe o molho reduzir pela metade em fogo baixo. Reserve. numa tigela em banho-maria, bata as gemas com apenas duas colheres de sopa do champanhe que sobrou restante do champanhe e bata bem até espumar, engrossando. Adicione essa mistura de gemas ao molho de manteiga. Acerte a pimenta, cebolinha picada e só então junte o restante final do champanhe. Coloque as ostras de volta nas conchas vazias, cubra com o molho e deixe dourar no forno quente por 3 minutos. Sirva bem quente.