sexta-feira, 6 de abril de 2012

O Folar de Páscoa

  
A páscoa já está aí... Ontem fui em um shopping, aqui perto de casa, e me apavorei com a multidão enlouquecida na compra pelos ovos de chocolate, das Lojas Americanas. Já no Supermercado, outro inferno, a aglomeração era para comprar bebidas, pescados e afins e mais chocolates – porque o brasileiro deixa sempre tudo pra última hora? Enfim, foi no supermercado, vendo uma senhora comprando um monte de pães de coco – elemento tradicional da páscoa aqui no Ceará, que pode ser conferido neste blog (clique aqui) que eu  tive a ideia para o post de hoje.
Já apresentei texto sobre a origem da páscoa (clique aqui), já falei sobre o luxo das famosas joias de páscoa – os ovos Fabergé (clique aqui), já esclareci o simbolismo da Colomba pascal (clique aqui) e agora venho falar de outro pão/bolo pascal – o folar.


A Páscoa em Portugal, assim como no Brasil, é uma época que se caracteriza com a entrega de presentes cheios de simbolismo, sobretudo de natureza alimentar. 
O Folar, por exemplo, é um desses típicos presentes da páscoa portuguesa. Era o presente que os padrinhos e madrinhas davam aos seus afilhados na Páscoa para quebrar o período de jejum. O Folar era também a recolha que os padres faziam nas casas dos seus paroquianos durante a visita pascal no Domingo de Páscoa. 
O Folar assumia-se assim como um elogio à fartura. Sem esquecer, naturalmente, que se trata de uma espécie de pão, elemento básico e estruturante da nossa alimentação.
A maioria dos dicionaristas coloca a origem da palavra «folar» no latim «floralis».  A quem sugira o étimo germânico «flado», que significa «bolo de mel»; e ainda, a quem assinara-lhe como de origem francesa «poularde». 
Mas, também, define-se o folar como sendo um bolo em forma de pinta pousada sobre um ovo, ou com um ovo em cima. Hoje são raros os casos dos folares que incluem a galinha. O pão, que também é conhecido como bolo, simboliza o ninho, e os ovos a geração de uma nova vida, fertilidade (tal como os coelhos). Deseja-se felicidade e prosperidade a alguém, quando se lhe oferece um folar.


Nas aldeias portuguesas o folar é um produto de padaria, bastante rústico. Nas cidades é um produto de pastelaria, com alguns melhoradores de sabor, cor, textura e de apresentação, como a gelatina e afins para o brilho, com algumas exceções. Os ovos que o cobrem são cozidos com casca de cebola para ficarem acastanhados.
E toda comida tradicional tem sempre uma boa história pra abrilhantar mais a cozinha, no momento do preparo. 
É a história, por trás das comidas, muitas vezes, o motivo real para o seu preparo – o simbolismo conta muito neste momento. Então, vejamos o que conta a lenda do  folar.

A Lenda do Folar da Páscoa

Esta é uma das várias lendas que a tradição guarda ciosamente sobre o folar da Páscoa. É simples como a alma do povo, pois do povo ela vem. Diz-se que é muito antiga. Todavia, não se sabe ao certo a data em que começou a circular de boca em boca.
 Numa aldeia que a tradição não menciona, uma linda rapariga, pobre mas bela, tinha uma única ambição na vida: casar cedo. 
Diz a lenda que ela fiava sentada à porta de casa e orava no seu íntimo a oração que já vinha de avós para mães e de mães para filhas. Era assim a oração:

Minha roquinha esfiada,
Meu fusinho por encher,
Minha sogra enterrada,
Meu marido por nascer.
Minha Santa Catarina,
Com devoção e carinho
Tomai-vos minha madrinha,
Arranjai-me um maridinho.

Embora a não entendesse bem, parecia-lhe que recitando esta fórmula antiga, que já havia casado sua mãe e sua avó, e as mães e as avós das moças da sua idade, ela seria igualmente atendida. Contudo, acrescentava sempre uma palavrinha sua, não fosse a Santa entender mal o seu desejo. E terminava, pois, dizendo:
— Santa Catarina! Bem sabeis que me quero casar, com um moço que seja belo, e forte, e trabalhador, para que não fique na miséria...

Santa Catarina
Ora bem. Tantas vezes e tão fervorosamente rezou, que Santa Catarina houve por bem fazer-lhe a vontade. E de tal modo que, de um dia para o outro, a jovem aldeã viu-se requestada por dois em vez de um pretendente! Um fidalgo lavrador, rico, educado, forte e belo, mas já passando dos trinta anos, e um jovem trabalhador da terra, belo e forte também, mas sem outra fortuna além dos seus braços, sempre prontos para o trabalho.
Marianinha não sabia como decidir-se, hesitava sobre qual dos dois devia optar. Ambos lhe agradavam. Um representava a riqueza, a segurança, a tranquilidade… O outro, a juventude plena, o gosto de viver à custa do heróico labutar do dia-a-dia…
Ambos lhe pediam uma resolução rápida. E ambos sabiam que o outro era a causa da indecisão da jovem. De modo que se viu forçada a recorrer de novo a Santa Catarina.
Ajoelhada diante da imagem da Santa, sua madrinha, Marianinha falou-lhe assim:
— Ó minha Santa Catarina, ajudai-me a escolher! Ambos me querem… ambos são bons para mim… ambos me agradam… Qual deles devo preferir? Gosto da figura do Amaro, da sua juventude, do seu ar impetuoso e trabalhador… Mas também gosto do senhor fidalgo… das palavras bonitas que me diz… do seu ar pomposo e da riqueza que tem…
E escondendo o rosto nas mãos:
— Oh, minha Santa Catarina, sinto-me envergonhada e confusa!... Mas a verdade é que não sei escolher! Ajudai-me vós!
Estava ainda de joelhos quando bateram levemente à porta. Marianinha levantou-se apressada e foi abrir. Era Amaro, o jovem e possante Amaro, de olhos negros e tez morena. Sorria-lhe. Um sorriso aberto, tentador.
Marianinha estremeceu. Seria por esse que deveria optar? Mas o fidalgo era tão rico… tão delicado… tão imponente!...
Amaro despertou-a desse devaneio.
— Escuta, Marianinha. Penso que é tempo de tomares uma decisão. Ou bem que me amas… ou bem que amas o outro. Dos dois não podes gostar, acredita! Por isso, previno-te de que preciso de uma resposta tua até à Páscoa. Se até lá não me deres o sim, tomarei isso como prova de que não te interesso e ir-me-ei embora desta terra.
Ela arriscou:
— Para onde?
Ele encolheu os ombros.
— Que poderá isso importar-te? Se eu partir, é porque não me quiseste para marido.
Ela desviou o seu olhar do olhar profundo de Amaro.
— Não quero que te exponhas a perigos por minha causa!
— Seguirei apenas o meu destino!
Marianinha suspirou:
— Bem gostaria de saber qual será o meu!...
— Tu podes decidir. Porque não o fazes?
— Não sei... Tenho de pensar...
— Pensar em quê? Amas o fidalgo?
— Não sei...
— Gostas da sua riqueza?
Ela apressou-se a acrescentar.
— E das palavras bonitas que me diz!
— Dizer-te que te amo, não achas bonito?
— Acho, sim! Mas ele… ele diz isso de outra maneira!
— Cuidado, Marianinha! A voz do coração é só uma!
— Ele também gosta de mim...
— Talvez. Mas o caso não é nosso: é teu. Tu é que tens de escolher um de nós, e só um. A não ser que não ames nenhum!
Ela voltou a encará-lo.
— Não, não é isso!... Eu amo-os aos dois...
— Mentes, Marianinha! Não se amam dois ao mesmo tempo, já te disse! Por isso vê bem! Vou dar-te um prazo menos longo: quinze dias. No Dia de Ramos virei ter contigo. Até lá deixar-te-ei à vontade. Adeus!
Voltou costas bruscamente, o jovem Amaro. Marianinha sentiu-se entristecer. Ele ia zangado. Decerto que ia zangado. E se partisse? E se não mais voltasse? Encheram-se-lhe os olhos de lágrimas. Mas já a figura elegante do fidalgo se aproximava. Ela tentou disfarçar. Ele sorriu-lhe com brandura, dizendo:
— Salve, Mariana, a flor mais bela que vi sobre a Terra! Meus olhos são felizes só porque te contemplam!
Ela olhava-o enleada, sem saber que responder. Foi ele ainda quem falou:
— Que tens? Pareces atrapalhada...
Marianinha confessou:
— Na verdade, estou. Dizeis coisas tão bonitas… que mal as entendo!
Ele envolveu-a num olhar terno.
— Mariana, se decidires casar comigo, hei-de ensinar-te tudo o que sei!
— A mim?
— Claro! E que achas estranho nisso?
— Ora! Não sei… se poderei aprender!
— Aprenderás, sim! O que é preciso é saber que me queres...
Ela ficou ainda mais atrapalhada.
— Bem... O Amaro...
Ele interrompeu-a:
— Já sei. Vinha ter contigo e ouvi as suas últimas palavras. Quer uma resposta no Domingo de Ramos, não é assim?
— É, sim, senhor. Mas não sei...
— Tens de saber! No Domingo de Ramos também virei aqui. Estou certo de que saberás escolher! Eu represento o amor, a riqueza, o teu bem-estar e o da tua família. Amo-te, e não deixarei que esse amor me seja arrebatado. No entanto... se a tua escolha está já feita...
Ela apressou-se a exclamar:
— Oh, não, ainda não decidi!
— Tens a certeza?
Marianinha fitou-o. Os olhos azuis do fidalgo olharam-na bem fundo. Ela esquivou-se a essa investigação, pedindo, interiormente, à Santa sua madrinha que a ajudasse. E o fidalgo despediu-se cortês, embora com uma sombra escura no seu olhar claro.
Uma semana passou. Toda a aldeia comentava já o caso. A velha Balbina viera, de propósito, bater à porta de Marianinha para a informar:
— Sabes? Isto vai ser bonito!...
— Então que há?
— Olha! Ontem à tarde o Amaro e o fidalgo encontraram-se cara a cara.
— E depois?
— Depois... sei lá!... Falaram... discutiram. Ia sendo o fim do mundo!
— Ó minha Santa Madrinha!
— E não sabes o melhor. Ambos afirmam que tu já decidiste. Ambos se julgam escolhidos!
— Sim? Mas eu...
— Mas tu não escolheste. Isso sabemos nós! Se já tivesses escolhido, não berravam eles tanto. Mas vai ser bonito, vai!... Olha que o Amaro jurou matar o fidalgo, se te desviasse dele com as suas falinhas mansas e a sua fortuna!
Mariana tremia.
— Mas... que hei-de fazer?
— Ora! Decidires-te!
— Mas como?... como?...
Marianinha cobriu o rosto com as mãos. Chorava. A velha Balbina meneou a cabeça e comentou enquanto se afastava:
— Está doida, esta rapariga! Nem sequer já sabe de quem gosta!
E o Domingo de Ramos chegou. Toda a gente da terra esperava ansiosamente esse dia. Marianinha velara toda a noite, orando. Estava pálida, enervada, fechada num mutismo assustador.
As horas da manhã passaram. Marianinha não saiu de casa. De súbito, a velha Balbina voltou a bater-lhe à porta, mas desta vez muito aflita.
— Marianinha! Vem depressa que eles matam-se! Encontraram-se no caminho… à beira do barranco… ambos vinham para cá...
Marianinha abriu os olhos, aterrada.
— Onde estão eles?
— Junto ao rio! Não sei como aquilo começou... Está lá muita gente... mas ninguém os aparta!
Chorando alto, Marianinha afirmou:
— Vou lá eu!
— Mas não te demores, mulher! Um deles cairá morto!
Aterrada, Marianinha saiu correndo. O rio ficava perto. Ofegante, chorando convulsivamente, ela estacou ante a luta feroz em que os seus dois pretendentes pareciam empenhados. Mal conseguiu gritar:
— Parem! Parem! Não se matem, pelo amor de Deus!
Mas para aqueles homens dir-se-ia que nada mais existia à sua volta do que cada um deles. Marianinha pôs as mãos:
— Santa Catarina! Valei-me!
De súbito, deu por si a correr para o barranco, gritando:
— Amaro! Amaro!
A este grito, os dois homens pararam de lutar, Amaro correu para Marianinha, abraçando-a. O fidalgo recompôs o vestuário, e sem uma palavra voltou para o seu solar. O povo olhava-os sem nada dizer. Ficaram assim alguns segundos. Depois, todos correram em bando a abraçar o jovem casal.
Véspera de Páscoa. Marianinha e Amaro tinham combinado para breve o casamento. Todavia, a rapariga não andava feliz. Do fidalgo ninguém mais vira a sombra. Mas dizia-se à boca pequena que no dia do casamento ele havia de aparecer para matar o Amaro. Era como uma nuvem negra a toldar o sol dessa alegria nascente!
Atormentada, Marianinha não se deitou nessa noite. Chorava e rezava. Pedia perdão de ter sido a causadora dessa inquietante situação. Fora a ambição que a toldara. Mas agora via claro. E queria que tudo acabasse em bem. Pedia então, entre soluços:
— Ó minha Santa Catarina! Vós, que estais tão perto de Deus, falai-Lhe por mim e pedi-Lhe que me perdoe e me dê uma prova desse perdão!
Foi então ao que se diz — que ela viu a imagem sorrir-lhe...
Marianinha tomou alento. Manhã cedo saiu para o campo. Apanhou flores e colocou-as no altar de Deus. Chegada a casa estacou, surpreendida.


Sobre a mesa das refeições estava um grande bolo com ovos inteiros dentro e rodeado de flores. Flores iguaizinhas às que ela levara ao altar. Julgando ter sido oferta de Amaro, correu a casa dele. Mas encontrou-o no caminho. Também ele ia a casa da noiva. Tinha encontrado, na sua mesa, sem saber quem o levara, um bolo semelhante ao de Marianinha. Resolveram ir para casa da jovem. E comentaram:
— Quem poderia ter sido?
Marianinha não respondeu. Mas sorriu. Amaro indagou:
— Porque sorris?
Ela olhou a imagem de Santa Catarina e explicou:
— Sabes... Eu ontem orei muito… chorei muito... E pedi a Deus, por intermédio da Santa, minha madrinha, que me desse um sinal...
— Que sinal?
— Um sinal de que estou perdoada... e de que tudo irá correr bem...
— E pensas que foi Deus que nos ofereceu o bolo?
— Não. Penso... que foi o fidalgo!
— O fidalgo? E porquê ele?
— Porque Deus quis que ele nos deixasse em paz, e me perdoasse a escolha que fiz...
Amaro concordou:
— Talvez... Só ele teria dinheiro para tão rico presente. Um bolo com ovos inteiros… e flores... Confesso que nunca vi! Onde teria ele ido buscar esta ideia?
Marianinha agarrou uma das mãos do noivo:
— Amaro! E se fôssemos agradecer-lhe?
— Achas que sim?
— Acho! É Deus que assim o quer!
— Então, vamos!
E saíram. Mas no caminho encontraram o fidalgo que lhes sorriu. Amaro apressou-se a falar-lhe:
— Senhor fidalgo, quero agradecer-vos a vossa lembrança. O que lá vai, lá vai… e isso prova a vossa grandeza de alma!
O fidalgo pareceu surpreendido.
— Amaro, eu é que tenho de agradecer a vossa lembrança. Nunca vi em toda a minha vida tão lindo bolo com flores!
O jovem casal entreolhou-se. As lágrimas afloraram aos olhos de Marianinha, que exclamou emocionada:
— Deus é grande! Deus é bom!
Apertaram-se as mãos. Separaram-se amigos. Mas só Marianinha sabia ao certo quem oferecera aqueles bolos com ovos e flores, verdadeiro presente do Céu.
Na aldeia, a nova espalhou-se. A alegria foi geral. Chamaram ao bolo — folore. Com o rodar dos tempos, o folore veio a mudar-se em folar. E aí está como o povo explica a origem dos folares da Páscoa, cuja tradição mantém tão carinhosamente, como testemunho de boa e desinteressada amizade.

Fonte: MARQUES, Gentil. Lendas de Portugal. Lisboa, Círculo de Leitores, 1997 [1962] , .Volume IV, pp. 103-108


Com esta história, termino esta postagem, deixando a receita do folar. Que a páscoa lhes traga maravilhas pra suas vidas!

Folar de Páscoa

Para a massa:
250ml de leite morno
2 colheres (chá) de fermento biológico seco
1 ovo
110g de açúcar
570g de farinha
1 colher (café) de erva-doce em pó
1 colher (café) de canela em pó
100g de manteiga ou margarina amolecida
Para decorar:
ovos cozidos em casca de cebola
1 ovo (pincelar)

Preparo: Cozer os ovos em água com cascas castanhas e secas de cebola e sal. Escorrer e reservar. Na tigela colocar a margarina amolecida, o açúcar, o ovo e bater. Acrescentar a canela e a erva-doce, o fermento e o leite morno. Bater com a colher de pau ou na batedeira com a pinha. Juntar a farinha com a colher de pau ou na batedeira com os ganchos da massa. Deixar levedar, tapado com um pano e cobertor, sensivelmente 1h30 ou até duplicar de volume. Depois, separar  um pedaço de massa equivalente a uma tangerina, para a decoração.Dividir a massa, para dois folares, ou tomá-la toda, para um só folar, e na pedra enfarinhada moldar uma bola com a massa do folar, enrolando os lados para baixo e para dentro, tornando a superfície lisa. Enfarinhar um tabuleiro forrado com papel vegetal ou tapete de silicone e moldar o folar. Com a mão fazer no centro as covas para os ovos. Colocar os ovos fazendo pressão para que se enterrem. Dividir a massa, que foi separada para decoração, em número igual ao dos ovos usados e fazer rolinhos em cada porção. Dividir cada rolo a meio e fazer uma cruz em cima de cada ovo. Com o dedo empurrar as extremidades dos rolos, como se estivéssemos a fazer um furo na massa. Pincelar com o ovo batido e deixar descansar 15min. enquanto o forno aquece. Levar ao forno pré-aquecido, a 180ºC durante 30-35min. Retirar e deixar arrefecer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário