sábado, 12 de dezembro de 2020

A origem de Stollen (ou Christstollen), o pão/bolo do Natal germânico

 

Mais um Natal se aproxima, e com ele surgem as delicias que geralmente se encontramos atiçar a gula e decorar as mesas sempre fartas dessa época do ano, principalmente, com pães/bolos natalinos carregados com a riqueza de sabores e aromas. Em anos anteriores já tratei sobre alguns dos principais, como: o Panetone (AQUI), o Pandoro de Verona (AQUI), o Panforte de Siena (AQUI), o Christmas Cake (AQUI), o Bolo Rei (AQUI), e hoje acrescentarei nessa lista mais uma das icônicas produções natalinas, o indiscutivelmente amanteigado e delicioso Stollen germânico.

Um Stollen ou um Stolle (do antigo alto alemão stollo, "Pfosten", "Stütze") é um pão/bolo de massa de fermentada, pesada, enriquecida com cascas de frutas cítricas e outras frutas cristalizadas, nozes, especiarias e passas embebidas em bebida (geralmente rum ou conhaque), podendo ter recheios como marzipan, creme frangipane e sementes de papoula. Mas, nem sempre foi assim...

Há um registro de 1474, nos relatos do Hospital Cristão de São Bartolomeu em Dresden, que se refere ao stollen como um bolo para o período de jejum, consistindo apenas de farinha, aveia e água, conforme exigido pelo dogma da Igreja. Ou seja, na sua primeira encarnação, o stollen era feito apenas de farinha, aveia e água. Sem açúcar, sem frutas, sem bebida – o que resultaria numa massa pesada, dura e seca.



Com a evolução dos anos, passou a incluir farinha de trigo, óleo, água e fermento. Até aí, tudo bem. Mas como o stollen era geralmente assado durante o Advento (as cinco semanas de jejum que antecedem o Natal), por volta do século XIV a Igreja proibiu o uso de manteiga em comidas de épocas onde se deveria jejuar. Cinco papas depois, um Senhor ilustre da Saxônia conseguiria finalmente a permissão para usar manteiga sem pagar multa. Por causa desta dispensação especial, o stollen tornou-se conhecido como o ‘alimento dos reis’, e é sobre estra preparação que começo a apresentar os fatos.

Embora o stollen possa ser feito durante todo o ano, é tradicionalmente preparado e/ou consumido no Advento e no Natal e, neste caso, torna-se conhecido como Christstollen ou Weihnachtsstollen, sem que haja diferenças fundamentais na receita.

O stollen pode ainda apresentar nomes diferentes: Stollen de Dresden – esse é um dos mais populares e leva a cidade de origem como estampado como marca -, Strutzel, Striezel, Stutenbrot ou Christstollen. Engraçado é perceber que palavra Stollen era também usada para se referir a um poste alto ou pedra de fronteira em uma cidade, e aos troncos de madeira.


Não por acaso, acredita-se que o stollen recebeu esse nome pelo fato do seu formato lembrar os postes feitos de troncos que sustentavam as minas, além do fato de a preparação ser uma das quais os mineiros levavam para comer durante o seu trabalho no subsolo. Apara alguns, a forma do stollen ainda lembra a entrada de um túnel de mina, refletindo a mineração de prata e estanho na área de Dresden, cidade famosa mundialmente por seus Stollens.

Entretanto, ainda existem aqueles que preferem acreditar que a forma do stollen tem ligação religiosa: lembraria ao “menino Jesus enrolado em panos – a camada de açúcar que cobre o doce seria esse tal ‘pano de cobertura’ e daí, também ser chamado de Christstollen.

Dentre os stollens de Natal existem variações que tem nomes específicos de acordo com alteração de ingredientes, como: Mandelstollen (quando se aumenta a quantidade de amêndoas na massa), Mohnstollen (semente de papoula), Quarkstollen (queijo quark), Nuss-Stollen (nozes), Butterstollen (alto teor de manteiga), Dresdner Stollen e Marzipanstollen.

Devido à sua composição especial, esse pão/bolo mantem-se sempre suculento e não seca muito rápido. Mas, se exposto ao ar por muito tempo pode trazer um gosto de ranço devido a quantidade de manteiga usada na massa. Esse aspecto de durabilidade, em especial justifica, o motivo de os mineiros de Dresden o levarem para as minas já que o stollen não estraga facilmente.



 Um Privilégio da Guilda de Padeiros de Naumburg 1329

 A ocorrência escrita mais antiga da palavra Stollen para um doce de Natal é a menção em um privilégio de guilda do bispo de Naumburg, Heinrich I, von Grünberg, para o estabelecimento da guilda de padeiros na cidade. Dizem que esse privilégio ocorreu pelo fato de o bispo ter gostado de um delicioso pão feito por aquela guilda com os melhores ingredientes.

O documento, que foi originalmente escrito em latim, se perdeu e só sobreviveu nas traduções alemãs, que presumivelmente datam do século XVI, e contam que os padeiros de Naumburg deveriam entregar: in vigilia nativitatis Christi duos panes triticeos longos, qui stollen dicuntur, factos ex dimidio scephile tritici urk. vj 1329; cf. Lepsius kl. schr. 1, 253).

Consequentemente, eram dois pães brancos longos feitos de meio alqueire de trigo, mas o certificado não contém uma receita ou uma descrição mais detalhada.

De certo que no século XIV esta era uma preparação luxuosa do serviço de bufê de Natal. Pelos padrões de hoje seriam fartos, mas simples, produtos assados que têm pouca semelhança com os Stollen de hoje. Naquela época, o Stollen era cozido em pães que pesavam 30 libras! O Stollen tornou-se uma parte tão importante da vida dos dresdeneses que era cortado e servido com um utensílio especiail: uma faca exclusiva para stollen.



Também era tradição que o primeiro pedaço de stollen fosse separado e guardado para garantir que a família pudesse pagar um stollen no ano seguinte e o último pedaço guardado para garantir que a família tivesse comida suficiente para o ano.

Outras crenças sobre o stollen diz que, se ele quebrasse ou se a massa do fermento ficasse sensível e não crescesse, a dona de casa morreria. A única maneira de evitar a maldição de um stollen quebrado seria comer doze tipos diferentes de stollen no ano seguinte – o que não seria má ideia.

Atualmente, para que um Stollen seja chamado “de Dresden”, ele deve conter manteiga, farinha de trigo, casca de laranja, casca de limão e passas; o teor de manteiga deve ser de até 50% do peso da massa (para os casos mais amanteigados). Conservantes, saborizantes e margarinas são proibidos como ingredientes.



Segundo a tradição, foi graças ao padeiro Heinrich Drasdo de Torgau, na Saxônia, que a massa stollen foi aprimorada com ingredientes mais ricos, como amêndoas ou frutas secas. Ao fazer isso, ele criou a base para o Stollen agora tão popular, que também é conhecido como Striezel na Saxônia.

Em 1434, em Dresden, o príncipe Friedrich II e seu irmão, o duque Sigismundo, iniciaram um grande mercado de Natal para comprar carne para as festividades do feriado. Conforme o festival de sucesso cresceu e se expandiu para outros produtos. Como o Christstollen era uma especialidade desta área, passou a ser vendido nesse mercado de natal que passou a ser chamado de Streizelmarkt.


No século XV, na Saxônia medieval (na Alemanha central, ao norte da Baviera e ao sul de Brandemburgo), o Príncipe Ernst (1441–1486) e seu irmão duque Albrecht (1443–1500) decidiram que queriam um pão de férias muito mais digno e escreveu ao Papa Nicolau V (1397-1455). Eles alegaram que seus padeiros saxões precisavam usar manteiga em seu stollen, já que o óleo em sua região era caro, difícil de encontrar e tinha que ser feito com nabos – e até com beterrabas.

O papa em 1450 negou aos irmãos nobres o primeiro apelo. Cinco papas tiveram que morrer antes de finalmente, o Papa Inocêncio VIII (1432-1492) enviar uma carta ao Príncipe em 1490, conhecida como "Butterbrief" ou "Carta da Manteiga", que concedia o uso de manteiga sem ter que pagar multa, mas apenas o Príncipe, sua família e agregados familiar poderiam usar a manteiga para preparar o stollen.




Depois, outras pessoas foram também autorizadas a usar manteiga, mas com a condição de pagar anualmente 1/20 de um Gulden de ouro para apoiar a construção da Catedral de Freiberg. Era uma espécie de receita gerando "indulgência de manteiga" para a Igreja. Até que a proibição da manteiga foi removida quando a Saxônia se tornou protestante e a aprovação do Papa não era mais necessária.

Em 1560, um ou dois Christstollens gigantes, equivalente a 18 kg (36 libras) e cerca de 5 pés de comprimento, foram entregues ao castelo do rei da Saxônia e apresentados ao rei em suas festividades de feriado. E o festival do Stollen mantem essa tradição de preparar stollens gigantes até hoje.


Então, de volta ao Festival Stollen... Augustus II, o Forte, (1670–1733) era o Senhor da Saxônia, Rei da Polônia e Grão-Duque da Lituânia. O rei amava pompa, luxo, esplendor e festas. Ele era como a versão germânica de Luís, o Rei Sol da França que perdeu a cabeça na Revolução.

                                                  Augustus, O forte

Em 1730, o "Rei Gus" queria impressionar seus súditos, e Sob o lema: "Não basta atirar - divirta-se também", ordenando que a Guilda dos Padeiros de Dresden fizesse um Stollen gigante, grande o suficiente para que todos tivessem uma porção para comemorar Zeithainer Lustlager – um festival que, na verdade, era mais uma forma de mostrar a força dos militares saxões, a muitos dignitários da Europa para ganhá-los como aliados.

Acampamento perto de Zeithain, pintura de Johann Alexander Thiele 1730

Havia mais de 24.000 convidados participando do lendário festival, no qual devoraram mais de162 bois e beberam 54.000 potes de vinho. Para esta ocasião especial, o arquiteto da corte Matthaus Daniel Poppelmann (1662-1737) construiu um enorme forno Stollen. Foi então uma famosa faca foi projetada para a ocasião (Essa história me lembra uma das minhas falas favoritas do filme Willy Wonka e a Fábrica de Chocolate, “Augustus, reserve um pouco de espaço para depois!”

Essa gravura de Elias Back (1730) mostra o tamanho do stollen e o do forno preparados especialmente para o festival 

Então, depois da comilança, veio a sobremesa: sete metros e meio de comprimento, três e meio de largura, um metro e meio de altura e pesando 1,8 toneladas e assada por seis horas em um forno especialmente construído.

Este Festival do Stollen de Dresden, tradicionalmente realizado no segundo domingo do Advento, ocorre quase continuamente desde que o Rei Augusto, o Forte, iniciou a tradição em 1730.

Uma grande faca de tamanho é usada para cortar o stollen em pedaços que são distribuídos por uma pequena taxa indo para a caridade. Essa faca, chamada de "Grande Faca Stollen de Dresden", é uma faca prateada, com 1,5 metro de comprimento e pesando mais de 26 libras, e é uma cópia da faca barroca original perdida de 1730. Como você pode ver, o povo de Dresden levar o Stollen de Natal muito a sério.



Dito isso, não se pode esquecer que o pão/bolo de frutas vem sendo apresentados (e modificados) desde os antigos romanos. Eles faziam uma espécie de barra energética de cevada, sementes de romã, nozes e passas. Afinal, aqueles romanos malucos tinham muito que conquistar o mundo.  Mas é na Idade Média que o bolo de frutas moderno pode ser rastreado com as características que nós conhecemos. Foi quando frutas secas se tornaram amplamente disponíveis e os europeus ocidentais as integraram em seus pães. Variações sobre esses pães frutados surgiram.

Primeiro veio o panforte doce e picante da Itália (traduzido como "pão forte", já inclui o link para ele no início da postagem) que saiu de Siena do século XIII. Depois veio o stollen de Dresden, cuja primeira menção em documentos oficiais foi em 1474. Originalmente chamado de Strietzel, é produzido na cidade de Dresden e marcado por um selo especial representando o Rei Augusto II, o Forte. Apenas 150 padeiros sortudos de Dresden têm permissão para fazer este stollen oficial. Eu imagino uma "máfia de bolo de frutas" a quem um padeiro de Dresden deve dar o dízimo para entrar neste círculo exclusivo.

Com o passar dos séculos, o stollen mudou para melhor. A tradição de fazer bolos de frutas para ocasiões especiais, como casamentos e feriados, ganhou popularidade nos séculos 18 e 19, embora sua ocasião no Natal já estivesse bem estabelecida na Saxônia. Por causa do custo dos ingredientes, era uma rara indulgência para eventos especiais.




Hoje me dia, se você não quer ter trabalho em fazer seu próprio stollen, graças ao engenhoso e garantido sistema dos correios você pode encontrar uma boa padaria de Dresden vendendo stollen on line e encomendar o seu, legítimo. Mas, para os aventureiros na cozinha abaixo segue a receita. Guten Appetit!

Stollen

1 xícara (250 mL) de passas douradas

1 colher de sopa (15 mL) de casca de limão cristalizada

1 colher de sopa (15 mL) de casca de laranja cristalizada (ver nota)

2 colheres de sopa (30 mL) de rum escuro

1 1/2 xícaras (375 mL) de farinha de pão (uso dividido)

1/4 xícara mais 2 colheres de sopa (80 mL) de leite, aquecido (cerca de 80 ° F)

2 1/2 colher de chá (12 mL / 1 pacote) de fermento biológico seco instantâneo

10 colheres de sopa (150 mL) de manteiga sem sal, temperatura ambiente

1 colher de sopa (15 mL) de pasta de amêndoa (amêndoas trituradas até virar pasta)

1 colher de sopa (15 mL) de açúcar

1 colher de chá (5 mL) de sal

1 colher de chá (5 mL) de raspas de frutas cítricas (limão, laranja ou uma combinação de ambos)

1/4 colher de chá (1 mL) de gengibre em pó

1/4 colher de chá (1 mL) de canela em pó

1/4 colher de chá (1 mL) pimenta da Jamaica

1/4 colher de chá (1 mL) de cravo moído

1/2 xícara (125 mL) de amêndoas escaldadas inteiras

3 colheres de sopa (45 mL) de manteiga sem sal, derretida

2 xícaras (500 mL) de açúcar (ou açúcar de baunilha), para enrolar

 

Preparo: Um dia antes de preparar o pão, misture as passas, a casca de limão, a casca de laranja e o rum em uma tigela pequena. Cubra e descanse em temperatura ambiente durante a noite. Na tigela grande da batedeira com batedeira, misture 3/4 de xícara de farinha de pão, leite e fermento. Misture em velocidade média até formar uma massa, cerca de 4 minutos. Dependendo do tamanho da sua batedeira, você pode precisar amassar a massa à mão por um momento, apenas para incorporar todos os ingredientes secos. Cubra a tigela com filme plástico e deixe descansar em um lugar quente até dobrar de tamanho, cerca de 30 minutos. Destampe a tigela e adicione a farinha restante. Adicione a manteiga, a pasta de amêndoa, o açúcar, o sal, as raspas, o gengibre, a canela, a pimenta da Jamaica e o cravo. Misture em velocidade média-alta, raspando a tigela conforme necessário, até que a mistura esteja lisa, mas ainda ligeiramente pegajosa, cerca de 6 minutos. Cubra a tigela com filme plástico e descanse em um ambiente aquecido até quase dobrar de tamanho, cerca de 35 minutos. Remova a massa da tigela e bata suavemente em um círculo plano. Adicione as amêndoas à mistura de passas embebidas e espalhe por cima da massa. Dobre suavemente as laterais da massa sobre as passas, para incluí-las na mistura. Continue a dobrar a massa sobre ela mesma até que as passas e as amêndoas estejam distribuídas uniformemente por toda a massa. Retorne a massa para a tigela, cubra e descanse por mais 10 minutos. Transfira a massa para uma superfície de trabalho limpa. Divida em duas partes iguais e use a lateral da mão para arredondar levemente a massa em bolas contra o balcão. Cubra a massa com filme plástico ou uma toalha limpa e deixe descansar por cerca de 15 minutos. Pré-aqueça o forno a 180 °C. Trabalhando com um pedaço de massa de cada vez, use as mãos para achatar suavemente a massa até formar um quadrado. Dobre o primeiro terço superior da massa em direção ao centro do quadrado e novamente em direção ao fundo, formando um cilindro solto. Usando as palmas das mãos, enrole a massa em um tronco de cerca de 18 centímetros de comprimento. Com a massa paralela à borda do balcão, coloque um rolo no centro da massa e role suavemente para cima, para nivelar a metade superior da massa (até que tenha cerca de 3/4 polegadas de espessura). Dobre a parte superior da massa em direção ao centro, para encontrar a parte inferior mais espessa da massa. Pressione levemente para baixo com o lado da mão para selar a costura e transfira para uma assadeira forrada de papel manteiga. Repita com o segundo pedaço de massa. Descanse a massa, descoberta, até que esteja ligeiramente inchada, cerca de 30 minutos. Transfira para o forno e leve ao forno até que esteja dourado e pareça oco quando batido, cerca de 35 minutos. Retire do forno e transfira para uma gradinha para esfriar um pouco. Quando o stollen ainda estiver quente, mas o suficiente para manusear, pincele cada pão com manteiga derretida. Enrole o açúcar e volte a uma gradinha de resfriamento até esfriar completamente. Você pode servir o pão agora ou, para um sabor mais completo, embrulhe o pão em filme plástico e leve à geladeira por 3 semanas.

 

Nota: se você não conseguir encontrar cascas de frutas cítricas cristalizadas em sua mercearia, pode substituí-las por uma quantidade igual de outras frutas secas, como passas, cranberries secas ou groselhas secas.

 

Um comentário:

  1. Nossa que maravilha, minha esposa faz, fica muito saboroso, no lugar do fermento em pó, ela usa levan, uma técnica de fermentação natural

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