quarta-feira, 8 de setembro de 2010

FLAMBANDO À MEMÓRIA

Esta semana, enquanto eu pesquisava bibliografia para meus artigos científicos, encontrei um trabalho que eu havia feito na Faculdade – um projeto social destinado a uma escola pública, onde eu e uma equipe de amigos trabalharíamos cultura, gastronomia e turismo.

A nota do trabalho foi a mais alta da classe. Lembro-me bem disso até porque ela continua escrita na capa do trabalho junto com frases de elogio que a professora deixou por lá. De fato, o trabalho estava bom. Fomos a única turma da sala que conseguiu concluir as atividades sem ter evasão de turma, sem contar que nossas turmas eram as maiores do que as das outras equipes.

Daí, lembrando disso me veio ao pensamento alguns episódios gratificantes vivenciados durante o desenvolvimento do trabalho, como por exemplo: saber que com o material didático desenvolvido por mim  responsável pela melhoria na qualidade e na variedade das refeições dos alunos naquela escola. E isso foi além da escola. Pois algumas das mães, selecionadas pela diretoria da escola, juntamente com as merendeiras, eram o meu alvo de ensino.

De todas as muitas situações que ocorreram na cozinha daquela escola durante minhas aulas de gastronomia uma em especial sempre me vem à memória quando lembro daquele projeto. Esta lembrança foi exatamente o motivo para a elaboração do texto de hoje. Episódio que contarei a seguir,

Apesar de eu ter desenvolvido o projeto todo, os demais participantes da equipe eram responsáveis pelas apostilas dos seus respectivos cursos. Eu, tendo ficado com aulas de gastronomia, resolvi trabalhar receitas típicas do dia-a-dia, e que apresentavam relações com culturas internacionalizadas, colocando elementos regionais e mais conhecidos na mesa cearense. Durante as aula eu procurava sempre mostrar cada ingrediente (que poderia ser sentidos de todas as maneiras) e fazer a receita original para que em seguida pudesse explicar como ocorreu suas variação ao longo do tempo. A prática de cada prato era feita por todas as alunas e eu fazia questão de que todas pudessem sentir aromas, texturas, gostos, realizar cortes, diferenciar os tipos de cocção, aprender os serviços de mesa,etc.

Um das receitas foi o estrogonofe, prato escolhido por estar sempre presente nas mesas das comemorações populares da região. Enquanto iniciávamos a mise en place, uma das alunas saiu para atender ao telefone. Era ela uma senhora de meia idade super concentrada, esforçada e com vontade de aprender para apresentar em casa as novidades gastronômicas que estava descobrindo naquela cozinha. A ligação dela durou certo tempo e quando ela retornou a cozinha, logo da porta ,começou a gritar: - “Água, joguem água que a panela esta pegando fogo!” Aquilo foi motivo de riso para todos nós que estávamos ali. Pois estávamos trabalhando a técnica de FLAMBAR...



UM POUCO DE HISTÓRIA

A técnica da flambagem nasceu por acaso, tornando-se um dos ícones para representar a alta gastronomia.

Conta a história, que num dia frio de inverno, um Chef de cozinha resolveu adicionar a uma receita experimental um pouco de conhaque, no intuito de fazer com que o álcool contido na bebida, pudesse deixá-la mais quente e saborosa. Porém para sua surpresa, ao despejar a bebida de uma vez na panela próximo ao fogo ela incendiou, ele imediatamente tirou a panela do fogo e abafou com uma tampa para não se queimar, quando fogo apagou ele que já havia pensado "arruinei minha receita", resolveu experimentar o sabor. E para os eu espanto ele tinha acabado de fazer uma grande e maravilhosa descoberta: o prato havia ficado com todo o sabor do conhaque, sua textura havia se modificado, a temperatura do alimento ficara mais alta em poucos segundos e todo o álcool havia sumido. Estava descoberta a flambagem.

Para os Chef's mais conservadores, flambar de verdade só com conhaque. Contudo os que gostam de variar utilizam: Whisky  saquê, vinhos prematuros com um teor alcoólico mais alto, bourbon, vodka e no Brasil se usa até a cachaça pura ou frutada. Abaixo seguem algumas dicas do que costumo usar para flambar os alimentos

Licor

Uso para flambar frutas, sobremesas, peixes e frutos do mar

Whisky

Uso em carnes de caça, nas Carnes com ervas aromáticas e em cordeiro
Vinho tinto

Carnes vermelhas em geral e nos frangos de molhos mais encorpados

Vinho branco

Nos peixes, frango e frutos do mar

Conhaque

Nas frutas, sobremesas, carne bovina e frutos do mar

Cachaça.

Uso exclusivamente na suína e nas sobremesas mais regionais

Contudo, eu não ficaria “bem na fita” se simplesmente colocasse aqui uma simples receita flambada. De modo que achei em meus arquivos um texto poético que servirá bem para demonstrar a simbologia especial da técnica de se flambar os alimentos. O texto de autoria de Cris da silva que pode ser visualizado do site: http://www.sensibilidadeesabor.com.br/ , e tem como título:



Os raios de sol entravam pela janela da cozinha, e apenas tangenciavam o prato de vidro onde os morangos descansavam, majestosos em seu vermelho molhado.

Do cabelo displicentemente preso na nuca, escapavam umas mechas que lhe caíam sobre o rosto delicado, e sobre os ombros nus, deixados a descoberto pela blusa branca. Acompanhava timidamente o bolero que tocava no rádio, cuja fascinação se tornava cúmplice de toda a euforia que a inebriava. Ele estava de passagem pela cidade, e faria uma visita breve, apenas para matar a saudade dos beijos e juras de amor. Há dois anos se contentava com estes momentos fugazes, que se perpetuavam em recordações de risos, olhares, mãos e bocas se envolvendo, se confundindo até se tornarem um só. O cheiro da pele dele se impregnava na sua, e assim permanecia tênuamente forte até ao próximo encontro.

Picou meia xícara de nozes, e reservou-as a um canto da mesa. Em seguida, com o pensamento transportado à expectativa do encontro e às lembranças que o envolviam, enquanto mergulhava as mãos na água límpida que escorria da torneira, lavou algumas folhas de hortelã, e reservou-as também. Numa panela pequena colocou três gemas, previamente passadas pela peneira, duas colheres (de sopa) de açúcar, uma colher (de café) de essência de baunilha, e uma xícara de creme de leite. Levou ao fogo até ferver, mexendo (sempre no sentido horário, em obediência ao ritual a que se entregava). Despejou serenamente o creme num prato fundo, verde, de porcelana. Olhou a mesinha no pequeno jardim, coberta por uma toalha branca, e desenhou um sorriso nos lábios. No rádio, o bolero fora substituído por uma rumba que lhe dava cadência aos quadris.


Pegou uma frigideira, derreteu uma colher (de sopa) de manteiga, espalhou por ela os morangos cortados ao meio, acrescentou uma pitadinha de açúcar, esperou dois minutos, e regou-os com meia xícara de conhaque. Inclinou levemente a frigideira para que o fogo fosse atraído pelo álcool, e deixou que as chamas preenchessem toda a área interna do recipiente, flambando os morangos. Deliciava-se com a visão do calor alaranjado, enquanto a espera lhe aquecia a alma, fazendo todo o seu corpo arder de saudade e desejo.

Deitou os morangos sobre o creme branco, mas era para os lençóis brancos que escapava o seu pensamento, e para os prazeres que o aconchego destes lhe proporcionava, na companhia do homem que se tornara dono do seu corpo e do seu coração. Polvilhou-os com as nozes picadas , e deu um toque final com as folhas de hortelã. Contemplou o prato, envaidecida pela obra-prima que acabara de criar. O toque da campainha. É ele com certeza. (Na hora certa, porque este manjar precisa ser saboreado ainda quente). Solta os cabelos, segura o coração, e corre para a porta. Não sabe se ri, se chora, ou se permanece em silêncio, mas os seus olhos encontram nos dele e na mala que carrega, a promessa de que esta será apenas a primeira, entre tantas outra manhãs de outono, de uma vida a dois.



E para acompanhar que tal um boa música? Pensando na ocasião, em querer agradar, deixo abaixo um vídeo de uma cantora americana que muito gosto.

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